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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Não é Uma História de Amor

Quando acordei, minha cabeça girava. A boca estava seca, e meus olhos não conseguiam focar. Primeiro pensei que havia bebido demais na noite anterior. Foi quando tentei mexer os braços e não os senti. Pouco a pouco as lembranças foram vindo, conforme minha cabeça confusa foi “revisando” meu corpo pedaço por pedaço. Bom, ao menos eu ainda tinha os braços. Se isso era bom ou ruim, não tenho bem certeza.
Eles estavam esticados acima da minha cabeça. Cordas amarradas nos meus pulsos sustentavam meu corpo a uns cinco centímetros do chão – eu acho. Isso, se eu apontasse os dedos dos pés para o chão. De qualquer forma, cordas puxavam meus tornozelos para os lados, deixando minhas pernas levemente abertas e me impedindo de balançar como um pêndulo.
Meus olhos começaram a focar, dando formas ao mundo ao meu redor. Vi meu corpo nu, exposto como um pedaço de carne qualquer em um açougue. Tentei levantar a cabeça, mas um torcicolo dolorosamente me impediu – um pequeno problema a enfrentar quando se dorme nessa posição. Aproveitei (não que realmente quisesse) para observar meu pequeno “templo”.
Bom, eu ainda tinha um pênis. Tá aí uma coisa que nunca me deu medo, nessa situação: ser castrado. Em compensação, havia pelo menos uma cicatriz nova no tórax e outra no abdômen. As notei por estarem com aspecto de recentes, com direito a um princípio de pus. Fora isso, meu tronco estava coberto por um estranho rendilhado de cicatrizes.
Suspirei fundo e me perguntei quanto tempo demoraria. Me arrependi disso. Senti sua mão encostar no meu pescoço e descer pelas cicatrizes até a metade das minhas costas. Um arrepio gostoso me perpassou. Então a mão entrou pelos cabelos da minha nuca e entrelaçaram seus dedos ali. Outro arrepio de prazer. O problema é que eu havia esquecido o torcicolo. Quando ela puxou meu cabelo e forçou minha cabeça a levantar, parecia que haviam decepado meu pescoço num golpe só. A dor estremeceu cada músculo meu, mas eu engoli qualquer som. Não vou dar esse prazer a ela.
Foi quando ela cravou as unhas nas minhas costas. Circulou meu corpo arranhando minha cintura. Impossível conter arrepios – não apenas de dor – ao sentir as unhas abrindo a minha pele já sensível pelos cortes. Ela estava vestida com roupas normais. Se minha memória não falhava – o que é completamente possível –, só a vi assim quando ela me buscou no aeroporto. Em pensar que em momento algum, mesmo quando ela me amarrou na cama, no quarto dela, eu tive a menor ideia do que iria me acontecer.
Eu me perguntei de onde ela vinha. Como estava quase sempre virado para o mesmo lado, não tinha conhecimento de outra porta, aos fundos. Mas como ela trazia algumas sacolas de compras, desconfiei que a outra porta dava para a rua... ou para a garagem.
- Estrogonofe, hoje – disse, levantando as sacolas. Me dava medo quando ela cozinhava pratos que eu gostava. Eu apenas concordei com um aceno de cabeça – Mas é só pra noite. E nós ainda estamos de manhã – e riu. Porra! Era um sorriso lindo! – Já trago o café.
Ligou o rádio e saiu. “Cherry Bomb”, The Runaways. Dos males, o menor. Ao menos musicalmente ela não me torturava. Passou pela porta à minha frente e mandou um beijinho antes de fechá-la. Eu estava sozinho de novo. E assim ficava sempre que ela não estava comigo.
A parte interna da minha coxa, perto da virilha, começou a coçar. Levei alguns segundos para lembrar que ela havia tatuado uma cereja, ali. E assinado “Satã”, embaixo. Aquilo ardeu pra caralho. Doei nos primeiros dias. E agora estava coçando...
Devo ter adormecido, pois acordei com uma batida na porta.
- Posso entrar? – ela gritou. Malditas piadinhas. Malditas porque me faziam rir.
- Pode! Só não repara que eu estar pelado!
- Você vai ter que escolher o que quer comer, viu?!
Aquilo me deu medo. Não sei bem o que minha garganta gritou, quando abri a boca.
Ela entrou. E eu entendi o que ela quis dizer com a pergunta. Trazia nas mãos um desjejum muito cheiroso. Entretanto o ronco do meu estômago não foi tão forte quanto outra reação. Ela estava completamente nua, usando apenas um incrível salto vermelho-sangue. Estava lindamente maquiada, e, ao abrir a porta, me olhou com seu olhar mais safado, por trás daqueles óculos.
Merda! Merda! Merda! Merda!
- Pena que eu não pergunto duas vezes – disse, quando viu a ereção – Escolha feita. Mas não sei como isso acontece. Eu sou feia e gorda.
Tive vontade de dizer o contrário, mas me contive. Ela sabia bem o que eu pensava, e dizia aquilo só pra me provocar. Eu era a vítima ali, quem precisava de consolo, proteção e ajuda era eu, não ela.
Pousou a bandeja na mesa que havia num canto. Se aproximou rebolando aquele seu rebolado estranho – mas que, por algum motivo desconhecido até para mim, me deixava louco. Então me dei conta do porque do salto... Aquilo doeria muito os meus pulsos!
Ela parou na minha frente, me olhando com aquela maldita expressão de safadeza. “Foda-se”, pensei, e olhei-a de cima a baixo. Devolver-lhe a expressão safada foi mais forte que eu; e só me dei conta da minha cara quando vi seu sorriso aumentando. Com dois passos, estava com o corpo colocado no meu. Me abraçou, comprimindo os seios contra mim. Por todos os deuses!, como ela era gostosa!
A mão escorreu pelas minhas costas, apertou minha bunda, e seguiu para meu pênis. Quando ela virou de costas e se curvou, eu pensei “adeus, braços”.
Conforme ela se mexia para frente e para trás, meu corpo sacudia junto. Forçava meu braços e pernas, que esticavam e cediam as cordas, raspando-as contra meus pulsos e tornozelos. A pele começou a cortar. A ardência veio, e ela percebeu pelos meus gemidos. Olhou por cima do ombro, me sorriu, e ergueu o corpo, colocando as costas contra mim. Segurando o “encaixe” com uma das mãos, usou o outro braço para me abraçar e manter seu equilíbrio. Os movimentos para cima e para baixo aliviaram a pressão nas cordas, mas não terminou totalmente com o atrito.
Quando ela finalmente terminou, eu fui obrigado a implorar para que ela me soltasse. Confesso: não acreditei quando ela o fez. Soltou as cordas das pernas e me desceu com cuidado. Só soltou meus braços quando eu estava ajoelhado. Ela percebeu que provavelmente eu não teria equilíbrio, depois de mais de vinte e quatro horas pendurado. Mas foi ali, no chão, que eu notei o porquê ela havia me soltado: meus braços estavam roxos.
O sangue começou a circular mais livremente, e a dor veio em enxurrada. Falando em sangue, foi a ultima coisa que vi antes do mundo desaparecer...
Acordei com uma sensação estranha. Lembrava perfeitamente dos últimos acontecimentos, então abri os olhos sem mexer a cabeça. Acima de mim havia um imenso soro. Acompanhei a mangueirinha até o acesso no pulso direito. Sabia que havia outro no pulso direito. Era de onde ela tirava sangue de mim, que recolhia em pequenas vasilhas. Nunca entendi o porque ela bebia meu sangue, mas tudo bem. Eu não entendia nada do que acontecia ali... e nem o porque d’eu gostar...
Deduzi que, de alguma forma, os acessos não haviam segurado o sangue, quando baixei os braços. De qualquer forma, se ambos estavam ali, no lugar, sem nenhum “remendo”, certamente não foi a hemorragia que me desmaiou. Provavelmente tenha sido uma tontura em decorrência da situação toda.
Crente de que eu estava bem, me detive na sensação estranha. Sim, as mãos dela brincavam com meu pênis. Procurei-a com os olhos, e a encontrei olhando para mim.
- Acho bom a gente parar com isso – eu disse, e a chamei pelo nome.
Ela encheu a mão na minha cara. Ainda estávamos jogando. Quando fantasiada, ela não gostava que eu a chamasse pelo nome, e já havia me avisado – mais de uma vez – de que ia dar na minha cara se eu o fizesse. Mas eu fazia mesmo assim. E ela já havia percebido que era justamente para levar um tapa.
- Achei que tinha morrido.
- E por isso tá mexendo aí?
- Sim. Os pulsos estão ocupados, não tinha como medir a pulsação. E não tenho espelho pequeno pra ver a respiração. Fiquei sem opções... – e deu de ombros, como se fosse realmente a coisa mais lógica a se fazer.
Olhei-a de cima a baixo. Vestia um corpete preto. Eu nunca curti essas coisas apertadas. Mas era melhor do que aquela estranha cabeça de Baphometh que ela usava volta e meia, quando vinha abusar de mim. Além do corpete, mais nada. Estava descalça, e, por culpa da minha maldita tara por pés, fiquei tempo demais olhando para os dela.
Riu alto, e sentou em cima das minhas pernas. Posicionou os pés no lugar das mãos. Tentei esconder o rosto, para que ela não visse nenhuma expressão.
- Agora estou com os pés grudentos – disse, depois de alguns minutos.
- Ninguém mandou usar os pés...
- Ficaria com as mãos grudentas, daí.
- Ninguém mandou usar as mãos... – e ri. Impossível me manter sério.
- Já usei – e riu –, mas ‘cê preferiu desmaiar a aproveitar o pós. Agora, endurece essa merda de novo.
- Pra que?
- Pra eu usar de novo! – ela gritou. Estremeci, involuntariamente, de susto.
Foi quando meu estômago roncou. Ela riu. Porra de risada linda! Desceu e sumiu pela porta. Quando voltou, fez a cabeceira da maca erguer. Sim, eu estava amarrado em uma maca. O divertido era que eu ganhava comida na boca. Era engraçado – e excitante – vê-la cuidando de mim daquele jeito.
Certo. Era doentio. Mas era a minha vida, agora. E não sei bem se eu queria trocar. Tinha cerca de uma semana ali, preso, com ela me cortando e me torturando em rituais estranhos com direito a velas e símbolos. Uma semana sem contato com o mundo, amarrado. Ali, preso, com ela me alimentando como um bebê. Mas, de alguma forma, alguma coisa ali, em ser escravo sexual dela, era bom.
Ela terminou de me dar de comer, mas nós conversamos mais um pouco. Parecia tão sozinha, nesses momentos; mesmo que eu ouvisse as conversas dela com as amigas, dentro da casa. Então meus olhos já não conseguiam sair dos movimentos da sua boca. Foi só o tempo dela perceber e sorrir. Quando sorria, eu tinha vontade de morder aquelas bochechas. Mentira. Eu sempre tinha vontade de morder aquelas bochechas.

Aproximou o rosto do meu. Tremia. Eu também. Se ela fizesse aquilo, seria a nossa primeira vez. Entretanto, ela continuava aproximando. Eu quis levantar a cabeça e encurtar mais o caminho, mas tive medo de que ela desistisse. Cada vez menor o espaço, e de repente minha boca ficou seca. Foi quando eu, involuntariamente, lambi os lábios, que ela trouxe o rosto de vez contra o meu. Ela não tinha bem afastado a boca da minha, quando eu disse “te amo”.

sábado, 5 de outubro de 2013

SMS

Não posso te pedir nada, em absoluto. Mas não tem sido fácil esse semestre, pra mim.
Ouvi coisas terríveis de muita gente. Minha ética e minha honra foram postas em dúvida. Estou rastejando de escola em escola implorando por um estágio. Meus professores me olham com desprezo. Estou tratando bem uma pessoa que a dias atrás eu não queria nem ver na frente. Engoli meu orgulho todo e estou sendo compreensivo com alguém que me humilhou e me difamou.
Pela primeira vez na vida eu vi medo nos olhos da minha mãe. Medo pela minha faculdade, pela minha profissão, pelo meu futuro. Mas eu estou aqui. Em pé. Enfrentando isso e muito mais. Sabe por que? Faz ideia do por que?
Porque, pela primeira vez na vida, eu vi minha mãe sorrir orgulhosa de mim. Eu, que nunca dei valor pra nada, nem pra ninguém. Mas aprendi a dar...
Uma menina quase 9 anos mais nova me ensinou a dar valor. Me mostrou que eu tinha valor. E ver minha mãe feliz por eu finalmente saber quem eu sou, não tem preço. Ver a minha mãe orgulhosa de mim e lutando do meu lado por algo que eu escolhi é infinitamente gratificante. Ver meu irmão se sentindo a vontade comigo, nós trocando confidências e desabafos, não há coisa melhor. E isso quem permitiu foi tu.
Foi tu que me deu uma vida. Foi tu que me deu um futuro... Eu descobri uma paz que eu não tinha, capaz de me fazer aceitar e ajudar meus avós, cuidar deles. Me deu motivo para terminar meus estudos, o que eu não tinha há pelo menos dois anos. Me devolveu a inspiração para a poesia, mesmo a que não fala de nós. Me ensinou, indiretamente, a compor; o que eu sempre quis e nunca consegui.
Tu me faz sorrir o tempo todo, por finalmente ter descoberto a alegria de estar vivo. Tu me devolveu a vontade de desenhar, a vontade de ler... Me deu até a vontade para ler os livros da faculdade, do TCC, coisa que eu sempre odiei e evitei. Arrancou do meu peito quase toda a escuridão que eu tinha.
Tu cuida de mim como ninguém nunca cuidou. Me apoia e me ajuda como ninguém nunca conseguiu. Fez eu descobrir tanta coisa sobre mim... Tanta coisa boa sobre mim, que eu nem sabia existir. Tu me dá força pra andar de cabeça erguida, quando antes eu vivia de vergonha por ser quem sou. Tu me faz querer crescer como pessoa, almejar o meu melhor.
Fora tantas outras coisas: como descobrir que posso contar com pessoas que eu nunca pensei que poderia. Por exemplo, descobri o valor da amizade dos guris, quando os vi me apoiando do jeito que podiam, e não medindo esforços, quanto à eu e tu.
Tu me deu tanta coisa em tão pouco tempo e a certeza de que podemos dar muito um ao outro. E é por isso que eu luto. Porque o benefício é maior que o custo, o ganho maior que a perda. Eu posso perder algumas coisas, "but no pain, no gain". E nós vamos ganhar muito mais juntos a cada ínfima perda que acontecer.
Não quer influenciar tua decisão. Não posso te pedir nada. Tudo que falei é pra te agradecer. Tu me deu muito, me deu tanto. Nada do que eu passei ou vou passar de ruim representa alguma coisa perto do bem que tu me faz.

As coisas estão se ajeitando por tua causa. Sem ti, não teria nada do que eu tenho hoje. Não teria nada de bom, se não fosse por ti. Por isso, obrigado, de verdade, por todo o bem que tu me fez. Obrigado pelo que me ensinou. Obrigado por ter me feito uma pessoa de verdade.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

- Me sinto apenas uma gota do teu poço que secou com o sol ao cair do balde enquanto tu retirava água

Estás enganada.
Todas foram apenas água barrenta, que usaram meu poço para se purificarem para os demais baldes que vieram. Tu foi água cristalina, a primeira água pura. Pela primeira vez o balde não era outra pessoa, pela primeira vez o balde era meu, por ser teu também.
Eu menti pra mim mesmo. Queria fugir da realidade, negar os problemas e acreditar que era o que eu merecia. Acho que tu me entende. Ela me usou, me magoou, me agrediu, me traiu. E eu ainda fingi que estava tudo bem.
Em 2010 ela engravidou, e eu saí de casa. Vim pra casa da mãe. Fiz isso por que eu não sabia se o filho era meu. E voltei pra casa por que eu achei que merecia ser corno. Ela sofreu um aborto e correu pra mim, e eu achei que não haveria nada melhor na vida. Achei que eu tinha que dar valor para a caridade que ela estava me fazendo, pois nunca nenhuma outra mulher ia me querer do lado.
Nenhuma das outras 9 meninas tinha querido mais de mim. Ela foi a única que disse ter tesão por mim. Então eu achei que era o que eu merecia. Que se uma namorada de dois anos não quis fazer planos de um futuro comigo, ninguém mais iria querer. Ela teve outro homem enquanto eramos casados. E mesmo com tudo errado no nosso casamento, eu continuei mentindo e negando ajuda, pois achava que era o que eu merecia. Acho que tu me entende.
Quando tu apareceu, eu entendi que merecia mais. Que merecia uma mulher que me amasse de verdade, porque, pela primeira vez na vida, eu tinha uma mulher que me amava. Não um amor construído. Mas um amor de verdade, que só precisaria ser lapidado com o tempo. Eu vi que eu merecia uma mulher que quisesse realmente estar comigo, estar do meu lado. Porque, pela primeira vez na vida havia uma mulher que realmente queria estar ao meu lado. Eu vi que merecia uma família de verdade, porque, pela primeira vez na vida, eu tinha alguém sincero, alguém de verdade do meu lado. Eu vi que merecia ser feliz, porque pela primeira vez na vida eu estava sendo feliz.
Tu nunca foi uma cura para nada. As feridas já estavam cicatrizadas quando ficamos. Tu curou todas as minhas feridas antes do nosso primeiro beijo. E se tu fosse só uma cura, não teria precisado ter ficado contigo.
Mas eu já estava apaixonado pela tua voz. Já tinha te cobiçado quando achei que tu era a namorada do teu primo. E, enquanto tu me curava, eu deixei minha alma seguir meu coração.
Meu coração já estava contigo, mas a alma ainda era minha. Só a deixei ir pra ti quando tive certeza de que eu não precisa de ti. Mas que queria estar contigo. Foi quando tive certeza de que tu não seria um recurso, um remédio para meus machucados. Então me entreguei a ti de vez.
Tu é a pessoa mais doce, mais pura e mais linda que eu já conheci. Não poderia te usar para curar minhas feridas. Não poderia beijar tua boca para apagar outro beijo da minha memória. Quando tu me beijou, era o teu beijo que eu queria. Era por ti que eu ansiava.
Tu não iria me completar, mas me agregar. Se tu me completasse, eu estaria te usando para curar as feridas provocadas pela vida no todo. Fiquei contigo, te pedi em namoro (escondido), quis falar com teu pai e enfrentar a tua mãe por ter certeza de que eu te amava. De que tu tinha tanto a ganhar comigo quanto eu contigo. Que eu não estaria abusando da tua alma limpa.
Tu me curou como amiga. Mas quando nos envolvemos como homem e mulher, desde o primeiro beijo, tu já era o meu mundo. Mas porque eu permiti que o fosse. E só permiti quando eu não era mais um predador nesse mundo, mas parte do teu ecossistema.
Nunca te usei para me curar. Quando tu negou aquele beijo que eu tentei te dar, foi a melhor coisa que tu fez pela gente: ali eu ainda não estava pronto de verdade. Mas quando tu me beijou, eu já estava inteiro de novo. E estava inteiro de novo para que pudéssemos ficar juntos.
Não estou sofrendo agora por medo de ficar sozinho. Não estou sofrendo por estar ferido. Estou sofrendo por perder a mulher da minha vida. Estou sofrendo porque tu está indo embora sem ter deixado uma mísera ferida para eu entender que nosso relacionamento não estava bem. Uma feridinha que fosse para justificar nosso rompimento.
Nosso relacionamento. Eu estava pronto para ele, quando ele começou. E estou sendo empurrado para fora dele me sentindo mais forte ainda para continuá-lo. Nós ficamos, nós namoramos. Foi nosso relacionamento. Não minha cura, mas nosso amor.
Se fosse minha cura, por que eu iria querer enfrentar o mundo para estarmos juntos? Era mais fácil eu ter me calado, desde o começo. Se fosse um paliativo, ficar na rua seria o suficiente. Todos os benefícios que eu precisava, sem nenhum risco para mim. Mas eu estive pronto para ter uma coisa séria contigo, e ainda estou. Tu não é uma cura para minhas feridas, mas a única pessoa com quem eu posso construir o futuro que eu sempre quis. Tu não é uma pessoa qualquer que eu uso para esquecer outras. Tu é o amor da minha vida, e só se ama de verdade uma única vez: e a minha vez foi contigo, e sempre será.
Desculpe escrever tanto. Espero que tenha sido claro e que tu confie nas minhas palavras.


- Não confio em nada do que tu disse, mas isso não importa mais...

sábado, 10 de agosto de 2013

Sobre Alienação e Mídia

Estou a dias querendo escrever alguma coisa e não consigo achar um tema. Inicio, vai uma frase, no máximo um parágrafo, e morre ali. Até que, agora a pouco, em conversa com uma grande escritora amiga minha (Pâmela Filipini, se não conhecer, trate de conhecer. Agora!), lhe disse isso... E fiz a besteira de lhe pedir um desafio. “Escreva sobre a Alienação no Brasil”, me disse ela, “sempre quis ler algo assim escrito por você”, justificou. E, como cereja do bolo, a frase vinha acompanhada com a digníssima carinha “:3”. O engraçado é que ela não sabe quanta vontade de escrever sobre isso eu estou desde a época dos protestos.
Bom, desafio lançado. E para cumpri-lo com perfeição, questionei-a sobre alguns focos em específico. “Mídia”, ela me respondeu. Eu fiquei ponderando sobre aquilo durante alguns minutos. Por algum motivo, eu comecei a me questionar: o que é mídia? Seria apenas o jornal da noite, a novela e o programa de auditório? O futebol de quarta? Não, porque, na faculdade, quando se fala em mídias, o professor entra com um computador de 1985, abre o navegador que leva 20 minutos para abrir um site, e nos joga páginas da web que (na cabeça dele) poderíamos usar em sala de aula. Ou nos joga um filme inteiro que nem nós, alunos da graduação, conseguimos entendê-lo bem.
De qualquer forma, estive ponderando sobre isso, procurando uma linha de raciocínio. Segundo o dicionário online Michaellis, mídia é:
sf (ingl mass media) Propag 1 Veículo ou meio de divulgação da ação publicitária. 2 Seção ou departamento de uma agência de propaganda, que faz as recomendações, estudos, distribuições de anúncios e contato com os veículos (jornais, revistas, rádio, televisão etc.). 3 Numa agência de propaganda, pessoa encarregada da ligação com os veículos e da compra de espaço (eventualmente de tempo) para inserção ou transmissão de anúncios. 4 Inform Qualquer material físico que pode ser usado para armazenar dados. Os computadores podem utilizar uma variedade de mídias, como discos, fitas ou CD-ROM. Sin: meio. M. Eletrônica: a televisão, quando considerada como veículo de comunicação. M. Impressa: os jornais e revistas, quando considerados como veículos de comunicação.
Sendo mídia toda sorte de informação – visto que é propaganda, meio de comunicação e “materiais físicos que armazenam dados de computador” –, passei a ponderar sobre o que é alienação. Marx, quando cunhou o conceito de “alienação”, certamente não falava em política. Ele dizia que as fábricas alienavam os trabalhadores, visto que, separados em setores, faziam apenas parte do processo e desconheciam o processo todo e, muitas vezes, até mesmo, o produto final. Agora tu joga para cima do pobre “Karlinhos” uns dois séculos de distorções, e tudo é alienação. Mas, será verdade? Será que tudo que nós chamamos de alienação, é realmente alienação? Até que ponto a mídia nos impede de ver o processo todo, e de que processo estamos falando?
Antes que um marxista bitolado e bagaceiro me jogue uma pedra, eu já digo: o humano é indissociável da política. A ponto de que uma conversa de bêbados no bar é um ato político. O problema é que as pessoas entende como política o choque de ideologias partidárias. Sim, partidárias. Marx nunca criou um partido, não era comunista (ele foi pago para escrever o Manifesto, e enalteceu posições das quais discordava) e nem seria marxista se estivesse vivo. Desta forma, ele não diria que um “pequeno burguês” é um alienado, ou mesmo um agente alienador. Nem chamaria de alienado qualquer pessoa que não seja de um partido de esquerda. Bom, talvez seja por isso que se vende camisetas do Che Guevara, e não do Karl Marx...
Mas, voltemos à minha linha de raciocínio. A relação entre a alienação do povo brasileiro e a mídia brasileira. À grosso modo, diria que a mídia brasileira não aliena o povo, o povo que se auto-aliena. Parece uma teoria um tanto quanto estranha, mas tem mais sentido que a justificativa de “a Globo manipula as mentes”.
O povo brasileiro é um grande reclamão. Reclama de tudo, o tempo todo. Mas não “luta”. Aos olhos dos pseudo-politizados, isso demonstra alienação, por não procurarem mudar. Entretanto, o povo é desinteressado. Incluindo estes que se dizem politizados. Aqui, ou todo mundo briga, ou ninguém briga. Ou todo mundo faz, ou ninguém faz.
É estranho dizer que os supostamente politizados são tão alienados quanto os apolíticos, eu sei. Mas analise comigo. Quando se procura fazer uma grave, é sempre greve geral, seja da classe, seja apenas daquele núcleo industrial (aqui, entende-se industrial todos os ramos de trabalho, desde empresarial à educacional, pois, pela nossa lógica capitalista, tudo é uma grande produção). Estas greves, pensadas e gestadas pelos “politizados” e para os “politizados”, comumente coloca em xeque toda sua própria ideologia. Afinal, se eu tenho o direito de me indignar com minha condição e lutar por uma situação melhor, também tenho o direito de estar contente com ela, visto que é possível que ela me conceda toda uma condição de vida agradável.
Mas, como bom esquerdista, não posso estar contente com uma situação agradável, e preciso me rebelar à opressão burguesa por sobre minha mão de obra, sempre visando maiores direitos e salários, até que eu chegue a condição de burguesia e mande ao raio que o parta minha ideologia e meus irmãos de luta. Em momento algum estou dizendo que o certo é não lutar, ou mesmo aceitar de cabeça baixa a “opressão”. Estou apenas dizendo que, se eu, na exata mesma condição (familiar, profissional, financeira e afins) que um colega de trabalho, acho ruim a situação em que estou, não significa que ele precisa achar também. Só por que eu quero uma hora a menos de trabalho e 12% de aumento no salário, não significa que ele também precise disso pra se sentir satisfeito familiar, profissional ou financeiramente. E, se eu tentar obrigá-lo a aderir à greve, se eu tentar oprimi-lo e aliená-lo, ele tem direito de lutar contra mim e de ir trabalhar tranquilamente.
Além disso, temos um grande problema com greves, no Brasil. Quando ocorre uma greve, a grande maioria dos grevistas acha que é feriado, final de semana prolongado, folga por banco de horas ou o que o valha. Simplesmente esquecem que é um dia normal de trabalho e vão para o shopping, para o estádio de futebol, para a pista de corrida ou o que for. Brigam o tempo todo dentro do sindicato contra a burguesia opressora, e quando conseguem uma greve, correm para os lazeres mais burgueses possíveis. Não que o proletariado não tenha o direito de consumir enlouquecidamente roupas, calçados, “cama, mesa e banho”, filmes norte-americanos e fast foods, ou não tenha o direito de pagar caro por um ingresso para ver homens que trabalham menos e ganham mil vezes mais; só que, em dia de greve, tem o dever, a obrigação, de estar à frente da sua industria (retomando a ideia de produção, mesmo nas escolas). Porque é lá que está a luta, lá que está a burguesia opressora, lá se deve procurar seus direitos trabalhistas, e não dentro de um templo capitalista.
Como demonstrado por dois pontos de vista, os politizados brasileiros são tão ou mais alienados que os a politizados. De qualquer forma, no Brasil, todo mundo é corrupto, sem exceção. É forte dizer isso, mas é a mais pura verdade.
Daí, tu, meu caro interlocutor, diz para si mesmo “mentira! Eu sou um exemplo de idoneidade”. Será? Então quer dizer que tu nunca usou do jeitinho brasileiro? Nunca deixou uma nota fiscal para trás, sabendo que isso diminuiria o imposto a ser pago pelo prestador de serviço? Nunca sonegou algum imposto, ou facilitou a sonegação de alguém? Nunca furou uma fila? Nunca convenceu alguém a fazer algo que não queria, e que fez mesmo não querendo (numa espécie de coação ou chantagem)? Nunca teve um vício (mesmo que não químico) e levou alguém a esse vício? 'Cê nunca corrompeu ou foi corrompido por alguém? Nunca se corrompeu?
Sim, corrupção financeira provém de toda a sorte de corrupção. Posso estar sendo extremista, é verdade. Mas é como eu penso. Segundo o dicionário Michaellis, “corrupção” e “corromper” significam, respectivamente:
sf (lat corruptione) 1 Ação ou efeito de corromper; decomposição, putrefação. 2 Depravação, desmoralização, devassidão. 3 Sedução. 4 Suborno.
(lat corrumpere) vtd e vpr 1 Decompor(-se), estragar(-se), tornar(-se) podre (…) vtd e vpr 2 Alterar(-se), desnaturar(-se), mudar(-se) para mal (...) vtd e vpr 3 Depravar(-se), perverter(-se), viciar(-se) (...) vtd 4 Induzir ao mal; seduzir (…) vtd 5 Peitar, subornar (...)
De qualquer forma, nos sobram a mídia. Por que eu acredito que a mídia brasileira não é alienadora? Simples, porque é brasileira. Parece estranho, assim como tudo o mais neste texto, mas, desta mesma forma, é bastante lógico. Pode ser que nossa mídia minta frequente e intensamente. Pode ser que ela demonstre o ponto de vista da elite econômica e política. Pode ser até que ela desmereça o povo, que é, na verdade, quem a mantém viva. Mas ainda assim é incapaz de alienar um brasileiro.
Retomando, pela quarta vez ao dicionário online Michaellis, que apresenta “alienar” como:
(lat alienare) vtd e vint 1 Tornar alheios determinados bens ou direitos, a título legítimo; transferir a outrem (...) vtd e vpr 2 Alucinar(-se), perturbar(-se) (...) vtd 3 Indispor, malquistar (...) vtd 4 Afastar, desviar (...) vpr 5 Endoidecer, enlouquecer (...) vpr 6 Desvirtuar-se
Afastar, desviar, desvirtuar-se... Observando bem toda a informação que consumimos, acredito que, visando os termos ressaltados, a mídia internacional nos aliena. Não são os jornais, os canais de tevê ou as estações de rádio brasileiros que nos afastam da nossa nação. Mas toda informação que vem de fora.
Talvez eu soe como um nacionalista, e daqui pra frente haja muito ufanismo. Ou talvez não. O maior problema do brasileiro não é dizer “esse país não tem mais jeito”, mas dizer isso acompanhado de “lá fora não é assim”, ou “lá fora é muito melhor”. Isso deixa claro a lavagem cerebral que sofremos constantemente através da mídia internacional. Todos os problemas norte-americanos somem dos filmes hollywoodianos. A ponto de que nos apaixonamos pelo pior serial killer como se ele fosse uma espécie de herói digno de honra.
Não que ser apaixonado pelos vilões seja um problema. Eu teria uma noite de amor com Gretchen Lowell e jantaria com Hannibal Lecter. O problema é quando essas informações nos fazem perder o senso de realidade, nos tornando alheios a determinados direitos.
A questão é que reclamamos incontavelmente das novelas brasileiras. “Elas alienam o povo”, é a desculpa. Mas não perdemos um episódio de F.R.I.E.N.D.S pelas mais de 9 temporadas, e ainda assistimos as reprises. Aí vem todas as alegações justificando que as novelas não prestam. O que as pessoas não se dão conta é que ali está exposta a nossa cultura, mesmo que seja uma visão paulista-carioca dessa cultura. Volta e meia surge uma novela que representam outras regiões do país; e de qualquer forma, há atores de todo o Brasil lá.
Mas elas são ruins, alienadoras, um câncer na cultura. E House é sem dúvida uma benesse. A forma com que se está retratado ali uma cultura que não é a nossa, com piadas que são forçadas ao máximo para fazerem sentido em nossa língua, e referências das quais somos incapazes de entender à não ser que vivamos virtualmente nos Estados Unidos. Não estou dizendo que a série é ruim. Estou dizendo que ela condiz com uma realidade que não é a nossa (e talvez não seja nem a deles). E isso é problemático, pois faz pensar que todo o sistema de saúde norte-americano foi extraído de Grey's Anatomy. Provocando, claro, os bons e velhos comentários: “os médicos podiam ser assim no Brasil também”, “isso, aqui no SUS, não acontece” etc, etc, etc.
A mídia brasileira, em peso, traz aquilo que o povo quer ver. Se tu tens reclamações e não assiste, não é um consumidor. Logo, não tem porque eles produzirem algo para que tu consumas. Tu não é um público-alvo. Na verdade, até é, só não tem capacidade de sair da Universal Channel (que é afiliada da Rede Globo, visto os anúncios da Globo News) para assistir um bom programa, brasileiro e “aberto”.
O engraçado é ver os pseudopolitizados com todo seu infinito discurso anti-imperialismo ouvindo de tudo, exceto samba, pagode e Chico Buarque. Acham um jeito de ouvir rock, um típico produto imperialista, mesmo em sua versão mais contracultura, o punk. Antes um Green Day que uma Plebe Rude. Antes um Beatles que um Noel Rosa. Afinal, temos que nos politizar e lutar contra a opressão... ao passo que toda a cultura brasileira é um lixo.
Logo, depois de muitos caracteres, eu apresento minha opinião: a mídia brasileira não nos aliena, mas nós buscamos meios de nos auto-alienar. Seja esta alienação própria a partir do desinteresse sobre “nós”, como nação, seja a partir do interesse pelos “outros”.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Tá ali, não lá

 Esperaria a vida por um beijo, se pudesse andar de mãos dadas contigo sem problemas. O tempo não significa nada se tiver teu abraço sem julgamentos. É só isso, sem mistérios, sem enredos: só estou apaixonado. Estar contigo, ver teu sorriso espontâneo, ouvir a tua voz faz um sol se abrir no céu nublado de cada dia meu.
Teu olhar assustado quando brinco sério, te fazendo acreditar em cada palavra ridícula que profiro, me faz querer te abraçar com toda minha força e morder as maçãs do teu rosto. Cada vez que te aproximas, sinto meu mundo pulsar como que vivo. Eu não preciso medir as palavras, negar pedaços meus, ou procurar por migalhas tuas na tentativa de fazer só aquilo que tu gostas. Me sinto livre, como nunca me senti, disposto como nunca me permitiram.
Mesmo através das grades da janela, só de poder pegar na tua mão já é bom. Poder te olhar nos olhos, e ter este olhar sustentado por ti. Parece que tu simplesmente é capaz de me entender assim, sem palavras, através desse olhar que não se desfaz, e desse toque que me eletrifica todo o corpo. Teu agir aparentemente nervoso, meu nervosismo me corroendo por dentro. Até tua negativa, teu impedir-me de falar das coisas que tu já sabe, me faz sorrir este sorriso bobo.
Teu pé machucado pouco apoiado no chão, mas tu ainda assim em pé do outro lado. E tudo que eu queria era poder estar do teu lado, abraçados, servindo de muleta. Sei que isto foi uma grande prova do teu gostar... Mas parece o momento em que eu devo me retirar. Todo sentimento deve ser calado? Se sim, em prol de que?

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Fuga e Entrega

Conto em voz feminina.

*

Eu estava bêbada. Aquilo não era qualquer novidade, mas havia alguma coisa errada. O que eu estava prestes a fazer poderia facilmente ser considerado incesto. Fora tudo tão de repente, inesperado: no começo da noite, eu o via como o mesmo gurizinho com a qual fui criada; mas cada copo, cada dose pareceu abrir portas dentro de mim.
Dentro de casa, eu o abracei na primeira oportunidade que tive. Aproveitei sua surpresa e lhe beijei. Diferente do que esperava, ele me envolveu em seus braços e retribuiu o beijo de uma forma muito ávida. Joguei-o no sofá. Não sei onde estava com a cabeça: ali, no meio da sala, qualquer um que saísse de seu quarto nos veria. E se alguém nos visse, ia dar merda.
Mas me joguei em cima dele e o beijei de novo. Minha mão foi contra seu rosto, enquanto as suas me pegavam pela cintura e me puxavam para mais perto. Não esperava que ele tivesse tanto jeito... tanta “pegada”. Escorreguei minha mão para sua nuca e firmei sua cabeça, seu rosto contra o meu, sua boca na minha. Com a outra, busquei seu tórax. Deslizei a mão por sua cintura até sua bacia, por baixo da camiseta e...
Ele me fez escorregar para o lado, num movimento involuntário. Seu olhar era de susto. Eu tentei me aproximar, tocá-lo, acalmá-lo, mas ele recuou o rosto e sacudiu a cabeça em negativa. Baixei a mão e olhei em seus olhos. Sussurrei alguma coisa que nem eu entendi, mas serviu para que ele relaxasse. Então pude tocar seu rosto.
Ele quis baixar a cabeça e eu o impedi com um beijo. Ao qual ele retribuiu, primeiro meio inseguro, mas logo com a mesma vontade de antes. Foi esticando seu corpo para trás, puxando-me para cima dele. Suas mãos corriam o meu corpo, mas sempre por cima das roupas.
Eu já não estava mais aguentando aquilo. O contato só da pele das nossas mãos, pescoço e rosto já não era mais o suficiente. Eu queria mais pele... Okay, eu queria uma coisa bem mais específica. Eu tentei novamente colocar a mão por baixo de sua camiseta.
A reação foi mais leve, mas ainda não a que eu queria. Ele parou de me beijar, afastou a cabeça e a balançou em negativo. “Porque?”, perguntei com uma expressão triste. “Tenho medo”, sussurrou. “Do que?”, “Vergonha de mim”, “Não precisa”, “Sou horrível”, “Não pra mim”.
Eu lhe selei os lábios e levantei. Ele sentou. Estava me olhando fixamente, esperando para minha próxima ação. Eu não sabia exatamente porque havia levantado, mas agora que estava em pé, só conseguia pensar em uma coisa.
Sem tentar ser sensual, simplesmente tirei a blusa. Ele não conteve um sorriso. Aquele sorriso disfarçado dele, meio de canto, fingindo que não aconteceu nada e que ele nem quer rir. Aquele sorriso que sempre me provocou arrepios. Não resisti e me aproximei, colocando as mãos em sua nuca. Ele pôs o rosto contra meu ventre e começou a beijá-lo.
Minhas pernas amoleceram e eu tive que me esforçar para me manter em pé. Suas mãos subiram pelo meu plexo solar, tocando meu peito, mas não meus seios. Pressionou os dedos contra minhas costas, me deixando louca de vontade de ser arranhada, enquanto beijava acima da barra da calça e abaixo do sutiã. Por algum motivo ele respeitava o espaço coberto pelas roupas.
Aquilo nele estava me irritando, mas pela primeira vez na vida a irritação estava me dando mais prazer. De alguma forma, aquela situação toda parecia um grande jogo... afinal, esperamos tanto tempo para ficarmos juntos que aquela ansiedade não era de toda ruim.
Eu abri minha calça. Ele sabia exatamente o que eu queria, mas ainda sim respeitava o limite das minhas roupas.
- Tu não quer?
- Quero... só que... - e ficou em silêncio, o rosto na altura do meu estômago. Rezei para que nada dentro de mim fizesse aqueles barulhos estranhos.
- O que? - mas eu já tinha entendido. A bebida não permitiu que eu me desse conta tão cedo, mas agora as coisas fazem sentido.
Ele respondeu com silêncio.
- Não me importo de tu ser gordinho, de não ter os músculos definidos, de não ter o corpo considerado gostoso. Nem se tu não tem tanta experiência quanto eu. É tu que me interessa, do jeito que tu é. É tu que eu quero - ele me olhava nos olhos, agora. Ele sabia que eu falava a verdade.
Terminei de falar e levantei a camiseta dele. Não esperei reação e a tirei de vez. Ele continuou me olhando, apenas, mas agora com cara de criança. Eu ri alto e o beijei. “Não sabe o quanto tempo eu esperei por um beijo teu”, sussurrei dentro da boca dele. Ele sorriu sem parar de me beijar. Sua risada abafada pareceu ecoar dentro da minha boca, me dando mais vontade ainda de beijá-lo.
- Precisamos ir prum quarto – disse, enquanto ele beijava meu busto a abria meu sutiã.
Sem tirar o rosto de mim, com uma mão ele catou minha blusa e a camiseta dele do chão. Então arrastou o rosto para meu pescoço, levantando, e me abraçou forte pela cintura. “Guia que não tou vendo nada”, disse beijando meu pescoço. Eu ri só pra ele, e ouvi a retribuição. Comecei a andar, com ele avançando de costas, abraçado na minha cintura e beijando meu ombro, meu pescoço e minha orelha.
- Olha o degrau – eu disse, mas ele tropeçou mesmo assim. Levantou rápido e continuamos até o quarto em que eu tava, controlando o riso para não acordarmos ninguém. Entramos no quarto, ainda abraçados e nos beijando, mesmo rindo. A porta quase bateu, e por sorte eu consegui impedi-la, enquanto ele se jogava na cama.
Não havia mais traço de timidez nenhuma nele. Ele ria em silêncio, o braço por cima dos olhos, numa posição confortável. Parecia tão inocente, ali, com o corpo a mostra, sem mais se importar. Aquilo me provocou um grande desejo, mas eu caminhei lentamente em sua direção.
Minhas mãos pousaram em seu peito. Se havia algum riso, morreu ali. Arranhando-o de leve, desci até sua calça. Abri apenas o botão, quando ele sentou e me puxou para contra ele, me beijando. Agora que corríamos menos risco, e que ele esteja finalmente solto, a noite poderia durar quanto tempo precisasse durar.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Esquizofrenia - Capítulo 2 - Parte 5


Conforme corria, o mundo ao redor de Jonathan se deteriorava. Uma luz vinda de lugar algum parecia apodrecer todas as cores, tornando-as todas tons de marrom. As paredes e o teto desfaziam-se, as tintas lascando e soltando, o cimento esfarelando-se. O piso trincava, quebrava, desfazia-se aos pés de Johnny.
E no exato instante em que iria entrar no corredor que o levaria à escada, surge um imenso exaustor que o impede de continuar. Olhando por entre as hélices, Jonathan foi capaz de ver uma paisagem desoladora se formando: toda a escuridão para além daquela parede só era quebrada pela grade que se perdia para longe do alcance de sua visão.
O rapaz olhou para a continuação do corredor: a luz acabava um pouco mais à frente, como se sumisse por uma entrada à direita. Daquela distância, Johnny nunca poderia ter certeza do que realmente fazia a luz alterar-se como se dobrasse uma esquina. Olhou para onde tinha vindo: a escuridão parecia nascer logo após uma distância de dois passos, como uma massa densa, uma cortina pesada, uma parede.
Talvez os remédios ainda fizessem efeitos, ou Jonathan simplesmente não fosse muito espero. De qualquer forma, ele optou por correr de volta. Em sua cabeça, se refizesse o caminho por onde veio, o mundo iria retornar ao estado anterior; assim, ele poderia pegar outro caminho para a escadaria, sem que ocorresse aquela troca.
Johnny correu com toda a força e atravessou o véu da escuridão. Lá dentro, era como se não houvesse mais nada. Não havia barulho, ou sensação térmica. Ele mexia as pernas, mas não sentia o movimento; nem mesmo sentia as pernas... ou os braços, ou qualquer outra coisa. Não sentia o ar que respirava, ou mesmo havia qualquer necessidade de respirar. Na verdade, era como se o rapaz já não existisse, e tudo que havia, tudo que sentia, todo o universo fosse resumido à sensação de morte. Não qualquer morte, mas a própria morte: a certeza da inexistência eterna. A certeza de que nada se viveu em nenhum momento da vida, que a própria vida era curta e sem qualquer sentido ou motivo, e aquele era o último lampejo de consciência antes da total nulidade decorrendo da morte.
Então, quando veio a certeza de que aquela era a última certeza, tudo se rompeu em luz. Em uma reação ao susto, Jonathan tentou abrir os olhos, mas a luminosidade o obrigou a piscar várias vezes. Quando acostumou-se à claridade, tudo que viu foi o maldito exaustor. Pela visão periférica, percebeu que a escuridão em que havia entrado parecia, agora mais longe.
- Que porra . . . - Johnny suspirou. Estava confuso: impossível ter certeza se aquilo, aquela nulidade, aconteceu mesmo ou não.
Foi quando um rastejar começou. Um som de raspar estranho, parecia úmido ao mesmo tempo que parecia seco. Jonathan olhou para a escuridão. Era aquela massa de nada que produzia aquele som, e o produzia ao se arrastar para frente. O escuro era palpável e se aproximava de vagarosa e constantemente.
Não havia outra opção! Johnny virou-se e correu para onde a luz fazia a curva. Conforme aproximou-se, percebeu que era uma esquina em ângulo acentuado à direita. Entretanto, quando estava muito próximo, percebeu que o ângulo foi se suavizando até tornar-se uma curva arredondada. Logo parecia apenas uma leve caída para a direita, e então, era apenas um corredor reto.
O tempo todo Jonathan correu olhando para trás: precisava saber se a escuridão estava muito próxima e se o caminho que percorrera fizera alguma curva. A massa escura estava cada vez mais distante, mas continuava se avançando. Entretanto, o corredor sempre se demonstrou perfeitamente reto.
O caminho à sua frente começou a curvar-se para a esquerda. Primeiro suavemente, evoluindo por uma curva ampla, até chegar em uma esquina bem angulada. Então começou a fazer o caminho reverso até ficar alinhado. Foi quando começou a dobrar à direita.
Toda vez que o corredor pendia para a esquerda, a escuridão avançava mais rápido, e Johnny precisava se esforçar muito para não ser atingido. Quando o corredor pendia à direita, a escuridão perdia força, e Johnny conseguia abrir alguma distância. Por vezes incontáveis o corredor dançou em sua frente, com a massa escura se aproximando cada vez mais. Jonathan perdia as poucas forças que ainda tinha, e o escuro já lambia seus calcanhares, quando, à sua frente, surgiu, como que do nada, uma menininha sentada.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Duas Horas de Avião

Trocamos um olhar de cumplicidade. Estava deitado no ombro dela, minha mão sobre seu plexo solar. Seus lábios contra minha testa, terminando uma pequena mordidinha. Tínhamos rido pelos pescoços um pouquinho desconfortáveis por ter dado um beijo carinhoso, mas meio torto. Eu tinha deitado em seu ombro assim que ela esticara suas costas na cama.
Ela acordara sozinha, não quis mexer nenhum milímetro da posição dela. Cochilara deitada em cima de mim, sua cabeça repousando contra meu peito, uma de suas mãos ainda tocava meus lábios, a outra relaxara, em um arranhão que não se completara, junto à minha cintura. Suas coxas pressionavam leve meu tronco, e suas panturrilhas, minha bacia, num toque que não permitia-me relaxar o suficiente para que a nossa conexão se desfizesse.
Ela deitara a cabeça depois de morder minha clavícula. Rechaçou minha mão quando tentei tocar seu rosto, enquanto ela ainda estava apenas curvada para frente, suas mãos apoiadas em meu peito. Havia abaixado a cabeça, escondendo seu rosto, relaxando as costas que estavam forçadas para trás, o queixo apontando para o teto, suas unhas cravadas nas minhas coxas.
Eu havia acabado de esticar as pernas e deitado a cabeça no travesseiro. Tentei controlar a respiração para não perder de vista cada movimento seu: ela havia esticado as costas, enquanto pressionava os dedos no meu rosto, arranhando-o de leve e sem perceber, enquanto ofegava pesado. Beijando meu pescoço, ela nos colocou em conexão, enquanto eu puxava seus cabelos na nuca e arrastava a mão em suas costas, da bacia às omoplatas.
Caímos sem que nossos corpos desencostassem um do outro. Meu corpo havia tombado em sua cama, desestabilizado de seu equilíbrio ante o peso que ela exerceu propositalmente contra mim. Entramos em seu quarto sem que eu tivesse registrado qualquer coisa em sua casa. Nossas bocas não se desligaram desde o primeiro toque. Ela mordeu meu lábio ao ouvir o som do baque, prevendo meu gemido de dor. Havia topado com o perônio contra provavelmente uma mesinha de centro.
Ela me puxava, andando de costas, os braços em torno do meu corpo, suas mãos desvendando meu corpo por baixo da minha camiseta. Meu peito foi arranhado por cima da camiseta. Seu olhar parecia tentar ler a minha alma e meus pensamentos através dos meus olhos. Ela mordeu meus lábios, no canto da boca, com um pouco forte demais. Suas unhas arranharam forte a minha nuca, enquanto ela pressionava, a boca fechada, seus lábios contra os meus, nossos narizes pressionados um contra o outro que mal me deixava respirar.
Me puxara com força para ela, sua mão segurando firme a gola da minha camiseta. Seu rosto se iluminou em um sorriso sacana, que nascera transparecendo uma felicidade quase inocente logo depois de seus olhos escanearem meu rosto. Parada ao umbral, ela estava linda naquela roupa largada, confortável, de ficar em casa. Ela havia aberto a porta, sem qualquer interesse, pouco tempo depois que toquei sua campainha. Agora, deitado em seu ombro, com a maça do rosto contra seu busto, eu olhei para seu rosto.
Ela sentiu meu movimento, e virou a cabeça na minha direção. Sorriu. “Eu nem cheguei a te cumprimentar, né?! É um prazer te conhecer, moço”.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Roland - Parte 6

Roland já não dormia tanto; aos poucos seu sono se tornara mais controlado. Tinha passado a acordar quatro ou cinco vezes por dia: ao amanhecer, pelo começo da tarde, ao anoitecer e pelo meio da noite. Certa feita, ele foi obrigado a perguntar porque já não dormia tanto.
- Parei de te dar caldo de dorme-dorme. Já não necessitas mais, não sentes mais tantas dores.
- E como sabes?
- Não gritas mais durante o sono – disse a bruja, sorrindo.
- Ficaste me cuidando enquanto dormia? - Roland tentou um tom de desafio descontraído. Aos seus ouvidos treinados para perceber a própria voz, pareceu que tentava seduzí-la.
Ela apontou para o restante da pequena casa. Era uma peça, apenas. A cama em que estava deitado ficava de frente à uma mesa de dois lugares. À sua direita havia um fogão à lenha, aos pés dele, no chão, um colchão de palha. Não havia qualquer outra coisa ali.
- Deve estar sendo ótimo dormir ali... - disse, irônico.
- É ali que durmo. Esta cama eu fiz pra ti.
Roland não respondeu, preferiu mudar de assunto... bruscamente.
- Porque me cuidas?
El hombre en negro me disse que esta escolha deveria ser tua, não minha.
- Que escolha?
Ela se aproximou, chegou seu rosto bem próximo ao do dele. Entre salvá-la ou assassiná-la: essa era a escolha; soube sem que ela respondesse. Finalmente ele era capaz de ver seu rosto, e não havia qualquer traço de velhice como ele lembrava. A bruja era jovem e bonita, com um sorriso sincero e um olhar...
O cabelo dela caía sobre metade do rosto, mas ainda assim Roland notou algo estranho no olho encoberto. Tentou afastá-lo com as mãos, para ver a face dela por inteira, mas ela se afastou como que assustada. Instintivamente, algo passou pela cabeça do gaucho.
- Achei que bruxas só morressem quando queimadas até virarem cinzas; que nada mais as ferissem.
- Não é um ferimento...
- E o que é? Parece cicatriz de feitiçaria
Ela se calou. Era a resposta de que Roland precisava.
- Me conte, por favor.
A bruja abriu a boca, hesitou, e fechou novamente. Fez isso duas ou três vezes, parecendo procurar as palavras certas.
- Não irá me influenciar na minha decisão – e foi o que ela precisava ouvir.
- É um pacto de sangue.
Roland sabia o que aquilo significava.
- O velho... - perguntou, reflexivo.
Em silêncio, ela balançou a cabeça, em afirmativo.

*

Roland entrou no pequeno vilarejo com os passos mais firmes que sua condição ainda debilitada lhe permitia. Toda a animalada procurou sair para longe; ficaram em seus lugares apenas o pequeno rato e o jovem corujito.
Qué pasa! - gritou o corujo
Buenas! - respondeu Roland, ignorando a ameaça na voz do outro. Ergueu a mão em cumprimento.
- Passa daqui, que não é mais bem vindo. Te emancebou com a bruja.
- Quero ter com o velho pai,
- Não! Traíste a confiança que foi depositada em ti – respondeu o corujo, parando na frente do pistoleiro.
- Abre!
- Não... - havia satisfação e desafio naquele tom de voz.
Roland não tinha por índole repetir duas vezes quando era desafiado, muito menos abrir discussão com piazote que mal havia saído das fraldas. Puxou de seu facão, o com a lâmina azulada, e deu de estouro do lado da cabeça do rapazote. O impacto fez ferver o rosto do metamorfo, que cambaleou para trás e caiu atordoado ao solo.
- O que tu fez! - gritou o rato, se aproximando. A resposta de Roland foi desviar de ambos e seguir seu caminho.
O rosto do corujo ainda fervia. Aquela marca nunca sairia. O pistoleiro sabia disso, e fez esperando que por toda a vida o corujito lembrasse daquele dia. Entretanto, se o corujo aprendeu, os outros ainda não. Se haviam evitado a presença de Roland, agora se reuniam à sua frente. Defenderiam o irmão: o pistoleiro apreciou a união, mas riu-se por dentro da ingenuidade.
Um a um, eles investiram. Um a um, Roland os derrubou com estouros de facão. Mas foi mais leve com estes, agora. Atacavam por uma boa causa. O pistoleiro procurou evitar o rosto e outros lugares mais visíveis, focando sempre que possível às costas. Agora o barulho de coisa fervendo preenchia toda a clareira. Todos os metamorfos estavam caídos e marcados.
Mas fora esforço demais: as costas do pistoleiro começaram a doer, e suas pernas à falhar. Mesmo assim, ele continuaria até a casa do velho. Morreria lá dentro, se fosse estivesse fadado à falhar, mas não voltaria atrás.
O velho certamente ouvira a confusão, pois saíra de casa armado de um grande facão de osso. Vendo o pistoleiro caminhando com dificuldade em sua direção, percorreu o restante do percurso falando:
- Pelo que vejo – e olhou para trás de Roland – vancês muy que confabularam. Tanto que ela te levou pra seu lado. Me pregunto se tu foste um tongo que te entrega por palavras, ou se ela deixou que tu a encobrisse – sua voz era baixa e ríspida.
- Cala-te, velho imundo! Que fizeste à tua própria filha? - o pistoleiro manteve o mesmo tom do velho.
- Tonteria!
- Tonteria? Então é neta! Por pior ainda!
- Cala-te, que de nada sabes. Solo quiero lo qué es miyo! Ela tem seus poderes por minha causa. Nada mais digno que me devolvê-los!
- Um pacto de sangue, seu verme imundo! Com uma menininha!
- Verme? O farrapo se apaixonou por uma chinoca de beira de estrada e quer me dar lição de moral!
Roland investiu contra o velho, a faca em punho. O velho desviou uma lâmina com a outra, com a mesma facilidade que um jovem faria.
- Vá-te, hombre, e te deixo viver. Já viste tudo que queria!
Foi quando o pistoleiro entendeu o tom baixo: nenhuma daquelas crianças sabia sobre aquilo. Olhou para trás, esperando que alguém acompanhasse aquilo, mas todos tentavam se ajudar. Péssimo momento para se preocupar em revelar à aldeia um de seus mais bem guardados segredos.
O velho desferiu um golpe com a sola de seu pé esquerdo, esticando com grande força e velocidade sua perna para frente. Rolando caiu no chão e rolou sobre si antes de bater com força a nuca na terra batida. Foi impacto suficiente para deixá-lo um tanto atordoado. O preto velho se aproximou e chutou-o duas vezes na lateral de seu corpo, fazendo-o girar.
- Vejam, meus filhos! A morte do traidor! Esperei dele a vitória contra a bruja que tanto nos odeia sem motivos, mas fui apunhalado pelas costas! Ele veio para cá buscando nos destruir, mas não terá sucesso em seu intento!
Péssimo momento para discursos. Da única vez que olhou para o grupo de metamorfo, mesmo sem levantar a cabeça, o pistoleiro agiu. Cravou seu facão azulado e afundou-o até o cabo na coxa do velho. Não houve qualquer reação, e Roland afrouxou as mãos. Com aquela mesma perna, o velho lhe chutou, fazendo o corpo do homem levantar do chão.
- A faca! Vejam! - gritou o ratinho. - É a mesma que queimou nossa pele, mas nada faz contra o grande pai.
O pistoleiro riu, cuspindo sangue. O velho lhe chutou mais duas vezes.
- Seu merda! - o velho sussurrou.
- A bruja os ataca porque ele suga o poder dela. - disse Roland, o mais alto que pode.
- Não acreditem! Ele tenta nos cofundir!
- Tu sabias que ela já perdeu um olho nesse seu joguinho?
- Cala-te!
- Ela não quer o mal desta aldeia! Quer apenas ser liberta da dor causada por est... - e foi interrompido com mais um chute.
O que o velho não contava era que Roland havia agarrado a faca presa em sua carne, e a segurava com toda a força que lhe restava. Ao chutar o corpo do pistoleiro, o velho força sua perna contra a lâmina da faca, que desce rasgando sua pele e seus músculos até a altura do joelho.
- Não te causa dor, nem te provoca agonia, mas te debilitas como a qualquer um – disse o pistoleiro, rolando o corpo para mais longe do velho.
- Tolo! O poder dela me regenerará! - gritou, erguendo os braços e a cabeça. No mesmo instante o ferimento da coxa, de onde não saiu um filete sequer de sangue, começou a ferver e a fechar.
- Tolo és tu! - gritou Roland, puxando seu revolver, o também azulado, e atirou.
A bala foi certeira à cabeça do velho, entrando pelo queixo e saindo pelo topo. Sem qualquer gemido ou lamento, o corpo caiu com um baque seco. Deveria estar acabado.
- Eu te vejo – disse o corujo, se aproximando. Com as mãos firmes ajudou o pistoleiro a se levantar – Temos o que confabular.
Roland assentiu com a cabeça.
- Mas, primeiro, um mate – e sorriu com os dentes cheios de sangue.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Esquizofrenia - Capítulo 2 - Parte 4


Rômulo correu pelos corredores. Fazia uma vaga ideia do que deveria fazer. Em sua mente, o pedido de Freeman ecoava: tirar Jonathan Blake do hospital, fazê-lo lembrar-se do livro, e levar ambos para longe de Valence.
O quarto de Jonathan ficava no quarto andar. Mesmo por elevador, seria impossível chegar ao quarto dele antes da medicação. O que o homem não conseguia entender é como não fora acompanhando os enfermeiros até o quarto. Era uma de suas obrigações, e fora por ela que o velho o chamara para aquele pedido; assim como Nia, a enfermeira principal daquele corredor.
Eles haviam combinado que Rômulo distrairia, de uma forma ou de outra, o grupo, para que Jonathan fugisse. Nia o encontraria e o levaria para fora do hospital. Eles ficariam escondidos até Rômulo se liberar da confusão (ou fugir, se fosse preciso) e ir buscá-los. Em sua casa, já estavam separados os suprimentos todos que precisariam para a viagem, todos devidamente guardados no porta-malas de seu quarto. Nia já havia, inclusive, levado uma mada com suas roupas e outra com as de Jonathan. O segurança sempre acho muito estranho a maneira carinhosa da enfermeira com o paciente. Para o homem, aquele rapaz não passava de um débil mental qualquer que não possuía qualquer atributo capaz de despertar o amor de uma mulher; mas ele não estava ali para julgar ninguém, apenas para cumprir um pedido de alguém que lhe fora tão importante.
Merda! O elevador não funcionava. Em frente às portas, Rômulo insistia apertando os botões, mas nada acontecia: nenhuma luz, nenhum barulho. Foi quando se deu conta do mais óbvio: o hospital inteiro estava sem energia, usando geradores para não desligar as máquinas dos pacientes e permitir que os funcionários transitassem pelos corredores. Era estranho que um hospital tão grande tivessem baterias tão fracas, e Rômulo não acreditava nas palavras de Landau sobre a reforma em toda a fiação e a futura instalação, assim que a reforma fosse concluída, de mais geradores. Para o segurança, aquilo era desvio de dinheiro...
Sobravam apenas as escadas. Rômulo atravessou o mais rápido que seu corpo envelhecendo lhe permitia. Já não era mais o jovem que começara a carreira naquele mesmo hospital, mas ainda assim não demonstrava fisicamente a idade que tinha.
Uma quadra. Era como chamavam os blocos de quartos e salas. Faltava apenas uma quadra, quando Rômulo avistou uma sombra. Parou de correr, controlou a respiração o melhor que pode, e se aproximou. Ele não era de falar, cumprimentava apenas com a cabeça os demais funcionários: pensou em dizer oi, mas tornaria aquilo tudo muito suspeito. Apenas continuou caminhando.
A pessoa à sua frente estava com a cabeça abaixada, os o ombros quase curvados. Rômulo quase colou na parede e continuou andando. Virou o rosto: perguntar se estava tudo bem poderia resultar em uma resposta que o faria se atrasar mais. Preferiu fingir que não viu.
Alcançou o primeiro degrau da escada, virado totalmente de costas para a pessoa, que não o importunou. Seu pé se deslocava para o segundo, quando sua mão foi agarrada. Por instinto, puxou o braço, que não se soltou do aperto, e olhou para trás.
A criatura atrás de si não estava com a cabeça abaixada. Não havia cabeça nenhuma, apenas um cotoco de pescoço. O corpo era magro, como se a pele estivesse toda grudada nos ossos, permitindo o abdômen retraído quase o suficiente para revelar a coluna. E justamente no abdômen havia, na altura do estômago, uma boca escancarada, com dentes perfeitamente alinhados e uma língua que lambia convulsivamente os lábios. Daquela coisa vinha o som de um gemido vazio que lembrava um estômago roncando, reagindo à fome.
Por instinto, Rômulo girou o restante do corpo, acertando a criatura com o solado de suas botas. “Um chute na boca do estômago”, sua mente em terror conseguiu pensar. Seria uma piada em qualquer situação menos aterradora, mas serviu apenas para deixar o segurança mais apavorado. Seu corpo estremeceu num calafrio, e o segurança subiu o restante das escadas à passos largos, pulando de quatro em quatro degraus, numa necessidade irracional de fugir.
Era impossível, tudo aquilo era impossível. Sua mente atordoada pelo medo tentava processar e aceitar a criatura. Pisou no primeiro pavimento, ou segundo andar. Foi quando ouviu vozes de criança. “William louco. Matou a mãe com um machado como um tronco oco. William louco. Com as mãos sujas, de alegria, gritava rouco.” Sobressaltou-se, as lembranças do sonho vindo em jorros, fazendo-o perder o equilíbrio. De alguma forma, manteve-se em pé, continuou correndo. As vozes se aproximaram, vinham de um corredor à direita.
Rômulo dobrou o primeiro à esquerda. Não lhe passou pela cabeça que poderia ter continuado subindo as escadas.

Agressão


Ele dormia profundamente, mesmo que apenas ressonasse: eu sabia que tinha o sono pesado. Mesmo assim, levantei da cama o mais cuidadosamente possível.
A porra que escorrera de dentro de mim para a parte interna das minhas coxas já estava fria, mas ainda era pegajosa. A sensação das pernas melecadas e grudando não me incomodava, em outros tempos eu até me sentiria feliz com isso; saber que era um fluído corporal dele, ali, também não incomodava: me causava nojo.
Não importava quantas vezes eu já tenha ido à polícia, quantas vezes tenha denunciado, ele nunca foi preso. Nunca retirei nenhuma das queixas, mas ele nem mesmo respondeu processo. De alguma forma, minha palavra nunca foi mais forte que a dele: para todos os efeitos, sempre foi consentido. Ser amarrada e amordaçada era joguinho sexual, apanhar também.
Uma vez ele apareceu todo machucado na delegacia para depor. As costas com arranhões tão fundos que pareciam cortes à navalha, um olho roxo, a boca cortada e as bolas inchadas. “Olha pra mim, delegada! Olha o que ela faz comigo!”, dizia ele, “A gente curtimu essas coisas, sabe. A senhora é casada, a senhora deve entender. São nossos joguinhos. Ela bate ni mim à valê purque eu gosto. E ela pede, otoridade, pr'eu batê nela tumém”. A própria delegada me contou isso, quando fez a acareação. Mesmo comigo desmentindo tudo aquilo, ela chegou a dizer para eu parar de mentir, se não ele teria todo o direito de me processar por calúnia e difamação.
Agora ele estava ali, dormindo profundamente na cama. O corpo intacto, sem qualquer ferimento ou machucado. Eu, em pé no meio do quarto, observando aquele monstro, tinha o canto da boca cortado – quando ele enfiou os quatro dedos entre meus dentes para eu não fechar a mandíbula, e puxou meus lábios para trás, abrindo espaço para enfiar até a minha garganta, me fazendo engasgar com aquele pedaço sujo de carne e com meu próprio vômito, que ele não se importou se jorrar por cima de si –, o rosto dolorido – dos tapas e socos – os antebraços e as mãos inchados e ainda dormentes – das cordas que ele usou para amarrar apertado meus braços às costas, impedindo a circulação –, e as pernas doloridas e bambas – também devido aos cordames.
Já fazia um ano que tinha parado de denunciar. Ele havia ameaçado a minha família, e eu sabia que era capaz. Logo que casamos, eu peguei ele na cama com outras. Tudo que ouvi dele era que ficaria tudo bem, que ele resolveria. Uma apareceu no jornal, dada como desaparecida, e acho que nunca encontraram o corpo. Uma outra, morta. Nessa época ele me batia fora do sexo, e não por qualquer coisa. Eu achava que eu era a errada, que eu que o tinha irritado, que ele era o homem bom que eu achei que fosse antes do casamento. Mesmo ele me traindo, eu aceitei, por um bom tempo, como coisa de homem.
Foi então que eu explodi, quando o peguei com uma menina de 16 anos. Eu voei nele, dei-lhe tapas onde pude alcançar, gritando que nunca maios aceitaria aquilo. Mas ele segurou meus braços e disse que ficaria tudo bem, que iria resolver. Quando tentei reagir, ele me deu um tapa no rosto que me derrubou e me deixou tonta. “Eu disse que resolvia, porra!”, ele gritou e saiu do quarto, nos deixando sozinhas. A menina ainda estava no canto da cama, o lençol cobrindo o corpo. Nos olhamos por um momento. Seus olhos estavam apavorados, e lágrimas de medo escorriam por suas faces. Então ele retornou, trazendo algo nas mãos que não pude reconhecer. Parou entre eu e ela, erguendo a mão em direção à cama. “Pam! Pam!”. O cheiro terrível de coisa quente ou queimada encheu meus pulmões, e ele saiu novamente do quarto. Eu desviei os olhos, mas havia visto o suficiente: da menina, vestia sangue do peito e da cabeça. Não era preciso ser a mulher mais inteligente do mundo para entender que ele havia matado todas as outras.
Eu pedi o divórcio, mas ele negou. Disse que, se era assim, ele não me trairia mais, que faria comigo tudo que ele fazia com as outras. Se eu não era capaz de entendê-lo, de entender que ele me respeitava como mulher, como esposa, que se eu queria ser tratado como uma vagabunda qualquer, era assim que seria. Eu tinha boca, cu e boceta, serviria tanto quanto qualquer outra para o que ele gostava, já que eu não queria mais me dar ao respeito de entendê-lo.
A primeira noite foi horrível, e nenhuma das outras foi melhor. Ele disse que eu me acostumaria, mas nunca me acostumei. Que eu, como qualquer das outras vadias, acabaria gostando daquilo. Mas meu sistema digestivo todo doía, os hematomas me envergonhavam... até que ele quebrou meu braço. Oficialmente, eu caí da escada. Extraoficialmente, ele me arrastou para o quarto, dobrou propositalmente meu braço às minhas costas até ouvir o estalo. Então forçou mais, para ouvir o segundo, o terceiro. O braço cedeu de vez, ele parou; mas a dor foi tão grande que eu desmaiei. Quando acordei, estava toda suja de esperma por todo o corpo. Ele mandou eu me lavar e não dar um pio quando chegássemos ao hospital...
Mas eu contei. Assim que ficamos sozinhos, médico e eu, eu contei tudo. Foi a primeira vez que paramos na delegacia. Contei tudo que sabia ao delegado, que fez todos os procedimentos possíveis e disse que aquele verme nunca mais tocaria em mim. Dois dias depois, ele é encontrado morto, o corpo já apodrecendo dentro de uma caixa d'água. Nunca mais ninguém fez nada para me ajudar.
Tinha oito anos que éramos casados, e cinco desde que ele começou a me bater todo o dia, praticamente a todo o momento. Eu tentei me matar, mas da primeira vez fui salva por uma vizinha, que mesmo sabendo pelo que eu passava, não quis se intrometer. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Ele não ficou sabendo. Da segunda vez, ele me encontrou sangrando, com os pulsos cortados. Quando acordei no hospital, ele estava ao meu lado. “Feio esses corte... O dotor disse que talvez tu não mexa mais as mão direito. Só te digo uma coisa: se tu tentá fazê isso de novo, tua mãe morre! E outra, vô pagá a fisioterapia, mas se tu, em seis meses, não tiver batendo direitinho uma pra mim, quem morre é teu pai, qu'eu sei que tu nem gosta tanto assim do véio, tu aprendê a deixá de besta.”
Depois disso, ele disse que tinha cansado de dar “migué” em polícial pelas minhas frescuras: ou eu parava, ou morriam meus pais como aviso; e se eu tentasse de novo, quem “dançava” eram meus irmãos; e se ainda assim eu não entendesse, iam meus sobrinhos; só em último caso ele me mataria, mas antes faria eu desejar a morte a cada segundinho após ter feito a próxima denúncia depois daquele aviso. A brincadeira tinha sido divertida, mas já tava enchendo.
Mas ele fez o favor de me fazer desejar morrer a cada instante desse ano. Começou a trazer qualquer homem pra dentro de casa, pra transar comigo. Começou a me vender para quem quisesse, e me dar de graça para aqueles que não podiam pagar. Eu sempre estava amordaçada e amarrada. Algumas vezes ele também me vendava, outras me pendurava pelos braços. Todo o tipo de equipamento começou a ser usado em mim, até que eu quase perdi um mamilo. Depois que saí do hospital, com todos os procedimentos feitos, ele me obrigou a vê-lo bater no cara que quase me mutilou até matá-lo com as mãos nuas.
Levei muito tempo para reunir coragem o suficiente para fazer aquilo, mas finalmente havia conseguido. Saí do quarto, atravessei a casa e fui até o galpão. Havia um machado lá, e eu tinha sido criada cortando lenha... Se eu voltasse ao quarto antes dele acordar, teria uma única chance de relembrar como se partia uma tora. Não que tivesse medo que ele pudesse reagir e me impedir de alguma coisa, mas não sei se teria coragem para um segundo golpe.
Entrei de volta ao quarto. Ele nem ao menos havia se mexido. Acendi a luz: a claridade da janela não seria o suficiente. Ele acordou se piscando, se virou de barriga para cima. Ergui o machado enquanto ele erguia o braço para defender os olhos da luz. A lâmina desceu rasgando o ar num zunido pesado. O barulho foi um misto sólido, que me lembrou o som da madeira sendo partida, e gosmento, como o de um excremento caindo na água do sanitário.
Apenas soltei o cabo do machado. Reuni minhas roupas e joguei no porta-malas. Tomei um banho quente bem demorado, como não tomava à anos, e me vesti com a melhor roupa que eu tinha. Peguei todo o dinheiro que havia em casa, assim como todos os cartões. Nunca havia tirado a carteira de motorista, mas ser presa por dirigir sem saber não seria nada perto do que me aconteceria quando achassem o corpo. Na verdade, agora eu estava livre como jamais estive na vida, então nada mais me importava.