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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Eu não consigo ver a docência sem a pesquisa


Às favas com a formalidade exigida pelo meio acadêmico, professora, mais ou menos como aconteceu no próprio encontro. Sei bem que a senhora solicitou um relatório “científico”, mas o que mais tenho à relatar acabará por transformar este texto em um relato “bastante emocional”.
E não vejo melhor maneira de iniciá-lo do que com o que disse aos meus colegas ao sairmos da comemoração: “é nessas horas que a gente sente um baita orgulho da profissão que escolheu” e “que vontade de levar uma daquelas velhinhas para casa e chamar de vó”. E também o que disse ao professor Luiz Fernando, no outro dia: “que lição de vida, heim?!”.
Acho que aquela foi a primeira vez que eu me senti realmente “em casa” pelo curso que eu escolhi e pela universidade em que o estou cursando. Por algum motivo que não sei explicar, fui engolfado pelo momento de nostalgia  que cercava as duas antigas professoras e seus antigos alunos, e acabei sentido saudades de coisas que não vi. Me senti emocionado pelo vigor das duas e por sua lucidez senil (o que quero me referir com isto é ao fato da idade sempre nos abater, deixando fraco o mais sadio dos cérebros, obrigando-nos a repetir palavras e usar de redundâncias para mantermos ou retornarmos à uma linha de raciocínio).
Ouvir seus relatos também me entristeceu... por um motivo que já me trouxe tantas vezes esta tristeza estranha de não ser útil. Afinal, o que será da minha geração e das que estão por vir, se nós já vivemos tudo? Já se foram os grandes impérios, as Cruzadas, as Grandes Navegações, o(s) Renascimento(s), as Revoluções. Já se foram os movimentos hippies, punks, dark/góticos, feministas. O rock já morreu, o sertanejo já perdeu sua raiz, o samba só como enredo... até o funk – suposto “ápice hormonal” da juventude brasileira – foi baleado letalmente. O que nos resta depois de tudo? Em contra-partida, aquelas mulheres viveram e enfrentaram – de certa forma – a Ditadura.
Elas falaram de uma época em que os educadores se encontravam todos na sala de professores e conversavam sobre tudo, compartilhavam todo o tipo de experiência e conviviam intimamente, trocando piadas e participando dos mesmos churrascos e das mesmas bebedeiras. E hoje, nem os professores de escolas pequenas têm mais isso; é cada um no seu canto, ou em grupinhos rivais. Na verdade, essa união comentada por elas já não existe em mais nenhuma empresa, em nenhum emprego... é um diz-que-me-disse para lá, é um puxando o tapete do outro para cá. Na verdade, na verdade, é assim em todo o lugar, quase sem exceção.
Prosseguindo no “cava-cova”, senti-me inútil, vegetativo, pois tive reforçada a certeza de que meu “destino” é a pesquisa e tudo que virá com e através dela: o aprendizado, a orientação, o conhecimento, a pós-graduação, o mestrado, o doutorado, eu como professor universitário, como orientador, como escritor, como pesquisador, como RPGista. Mas também a decepção e a certeza de que isso foge cada vez mais do meu alcance, escorre como areia por entre meus dedos, e eu me sinto cada vez mais perdido, como se eu estivesse em um navio à deriva e sem qualquer equipamento de bordo funcionando, olhando para um céu do qual nunca aprendi à, ao menos, reconhecer estrelas para tentar me localizar. O distante aperto no peito que se sente quando se acha que é o fim do caminho, sendo que não há parede ou qualquer outro obstáculo intransponível.
Também fui obrigado à discordar delas, no momento que comentaram sobre a dedicação dos alunos antigos com suas formações ao ler grandes quantidades de textos. Eu simplesmente não consigo conceber isto como o foco principal de uma formação: a leitura. Talvez seja pelo fato de eu ler muito devagar, ou pelo fato de eu aprender mais fácil ouvindo e poder contra-argumentar, questionar e me envolver diretamente. O que eu sei é que não consigo entender/perceber o ensino-aprendizagem através de textos... é como se, assim, o professor fosse apenas um indicador de obras, e não um compartilhador de seus conhecimentos e experiências. Eu acredito que o professor deva ensinar e utilizar textos como apoio, mas o que acontece é justamente o contrário: nós somos obrigados a aprender através dos textos e o professor surge como uma entidade redundante e repetitiva, servindo quase como que apenas para avaliar o que nós absorvemos ou não dos textos solicitados, quando deveriam avaliar, na verdade, o que eles próprios conseguiram transmitir e se o fizeram da melhor forma. Essa coisa de textos e textos acaba tornando-se confuso, e culminou – por exemplo, e talvez não o melhor - em um dos motivos de eu ter desistido do curso de Letras: quando alguém colocava o que um linguista havia dito em um texto, o professor citava um gramático que desmentia aquela tese; quando alguém apontava o pensamento de um gramático, o professor revidava com a visão de um linguísta; em ambos os casos, dizendo que o aluno estava errado, mesmo havendo retirado suas afirmações dos textos sugeridos.
Quanto à pesquisa, que é a parte que a senhora mesma comentou como a qual deveríamos relatar, eu concordo com a professora Helga, por mais contraditório que isto possa soar da minha parte. Mas é que são questões diferentes, por exemplo, eu não concebo um professor com meias informações. Eu não vejo um professor como bom professor quando este está desatualizado, ou mesmo quando não mantém fresco na memória os conceitos que deve compartilhar. Eu vejo os textos, as obras, como meio de preparação do professor para as aulas que deverá ministrar, e não como método de manter o ritmo do conteúdo. E, como professor-pesquisador, o educador acabará por formar sua própria visão dos temas abordados, quando não trabalhará e escreverá sobre eles, sistematizando seu ponto de vista e o resultado de suas pesquisas.
Mas também trouxe o sentimento gostoso de ver meus professores com cara de aniversariante infanto olhando sua montanha de presentes. Por mais que seja lógico, é meio estranho pensar em nossos professores com a nossa idade, passando por situações pelas quais passamos; e foi bom – e, porque não, bastante bonito – vê-los com “cara de criança” à frente de suas professoras, e perceber que eles também foram jovens, que também tiveram de amadurecer tanto no pessoal quanto no profissional, que passaram pela graduação e que galgaram – como, creio eu, todos da minha geração esperam galgar – seus caminhos como quiserem e/ou da melhor maneira que puderam. É legal saber que “vocês” são humanos, e com corações... não, brincadeira; mas esta imagem dos nossos professores como jovens é uma imagem boa de se ter. É algo que faz-nos sentir à vontade.
Enfim, o encontro me fez refletir sobre muitas coisas e chegar à uma conclusão: pelo bem ou pelo mal, é bom ter “pais” como vocês e “avós” como elas. É bom estar em casa.