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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Quarto Andar

Ela era linda. Não ao meu gosto: era alta demais, magra demais, com mãos e pés compridos demais; mas ainda assim era linda. De uma forma mais clara, para mim, era para meu interesse olhar, mas não pegar. Só que eu não sou a regra; na verdade, eu costumo ser a exceção.
O que importa é que ela era uma guria tri interessante, e sabia disso, por mais que negasse através de uma timidez em que eu não acreditava. Eu conhecia aquele olhar sedutor. Nunca fora para mim, nem o dela nem o de ninguém, mas eu o conhecia bem. E sabia que funcionava muito bem.
Também tinha aquele jeito de falar, aquele tom ronronante que surgia em sua voz quando reclamava que “os meninos da equipe” ficavam cuidando as “estagiárias ridículas do ensino médio”. Aquilo me dava calafrios só de ouvir, e evitava pensar em como me sentiria se aquele tom fosse dirigido para mim.
Ela sabia que era uma das mais incríveis – pra não dizer “a mais” –, o que talvez ela não soubesse era como ele estava enredado. Ele estava caidinho por ela, completamente de quatro, e ela não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. E, apenas isto, ela realmente não sabia.
Na verdade, talvez só eu o soubesse. Só eu sabia o quão apaixonado ele estava, o quão ele era capaz de adorá-la, venerá-la, por detrás daquela máscara de “bárbaro” que ele insistia em usar. Talvez só eu soubesse aquele segredo, mas nem mesmo eu era capaz de prever o desfecho daquela história.
A morte nos sorria, dia após dia, mas sempre abraçada nos outros. Sempre para eles, nunca para nós. Foram-se uma amiga de uma de nossas colegas, a esposa de um primo meu, a irmã de um outro... mas, por mais próximo que fosse, eram eles, e não nós. Histórias parcialmente acessíveis...
Até que aconteceu. Os dois, coincidentemente, não vieram trabalhar no mesmo dia. Eu nunca acreditei em coincidência, que fique claro. E a minha crença fora fortalecida, nunca abalada. Eles também não retornaram no segundo dia. No terceiro, fomos avisados que nem as famílias sabiam de seus paradeiros.
Mas foi no quinto dia que o pavor bateu. Estávamos, uma colega e eu, buscando em algumas caixas, no terceiro andar, quando ouvimos... um grito horrível de medo, beirando à histeria, e um baque seco, vindo do andar acima. Corremos para fora e subimos às escadas de dois em dois degraus.
Visualizei a tia da limpeza estirada ao chão, desmaiada. Um cheiro acridoce e desagradável envolveu-me conforme me aproximei. Estava de joelhos, erguendo a cabeça da mulher, coberta de sangue, quando minha colega parou na porta. Vi suas pernas vacilarem, enquanto ela levava as mãos à boca e engolia um grito.
Agarrei-a pelos ombros, quando suas pernas cederam e seu corpo pendeu para trás, em direção ao precipício das escadas. Ajudei-a sentar, escorada na parede, enquanto ela, ainda com a boca tampada pela mão, apontada, com a outra mão, trêmula, para dentro do quarto andar.
Meu nariz nunca funcionara direito, e eu era totalmente incapaz de decifrar aquele cheiro asqueroso apenas com o olfato. Não precisei: acompanhando o dedo da minha colega, meus olhos foram capazes de auxiliar meu sentido enfraquecido. Dejetos e secreções humanas ocupavam grande parte do carpete.
Ela estava lá dentro, em pé, com os braços abertos como se esperasse um abraço. Estava às sombras, e a pouca luz a circulava pelas costas, apenas o suficiente para que eu visse que ela estava nua; sua beleza despida, ao meu ver, em uma vulgaridade incomum.
Me aproximei devagar. Pude ver seus olhos arregalados e a boca aberta em “O”. Avancei temendo o que quer que fosse. Duvidava que ela estivesse simplesmente ali, por cinco dias, nua e esperando um abraço. Meu pé trancou no corpo flácido da faxineira, e eu parei instantaneamente. Meu instinto me dizia para ter um cuidado sobrenatural.
Espremi meus olhos, forçando-os. Ela jogava os seus contra mim e movia-os para o lado da porta. Tentava me avisar que tinha algo ali. Forcei mais os meus, havia mais coisa nos dela... havia medo. Medo pelo que tinha além do umbral da porta, escondido pela parede. Medo que eu desse mais um único passo para frente.
Levei a mão às costas, sacudindo-a, pedindo silenciosamente, naquele movimento, que minha colega sentada a segurasse. Segurou; da distância que estávamos, ela deveria estar em pé... ou quase. Gritei para que ela trouxesse mais gente, enérgico, e pulei três degraus para baixo.
Um cano de ferro, sujo de sangue, cruzou a porta, raspando o jaleco da minha colega e batendo com força na parede. O braço que emergia do umbral estava torto. Ele apostava em um ataque surpresa, que nocautearia o intruso antes que este pudesse ter qualquer reação.
O cano bateu com força contra a parede, arrancando um pedaço comprido, mas superficial, de pele da minha testa. Joguei os braços para frente, segurando o cano que tremia devido ao impacto, enquanto minha colega descia deslizando escada abaixo. O braço, em ângulo desconfortável, não teve força para manter a arma quando puxei.
Foi, então, a minha vez de apostar e perder. Esperei que ele não saísse da sala, que pensaria desesperadamente em uma forma de reverter a situação e manter-se na vantagem. Bom, ele se manteve em vantagem, mesmo saindo do esconderijo. Seu olhar ensandecido não me assustou menos que a machadinha que tinha nas mãos.
Girava o machado em uma das mãos. Eu sabia, e ele tão bem quanto, que aquele movimento era difícil de se manter, mas, uma vez se movendo, a arma desferiria ataques quase impossíveis de serem evitados. Minha testa latejava, e um pouco de sangue chegou ao meu olho, ardendo e cegando-o, enquanto eu descia um pouco mais.
Como que atraído pelo corte, ele mirou o alto da minha cabeça, esticando o corpo para frente e para baixo. Ele apostava na força de um único ataque. Mas aquele fora fácil de desviar, bastou que me abaixasse. A adrenalina me permitiu um contra-ataque tão tortuoso quanto os golpes dele.
Girei o cano de baixo para cima, pela esquerda, acompanhando o avançar do braço dele. Acertei o cotovelo, quase sem força, os ombros escapando de seus lugares, mas suficiente para fazer sua mão amolecer e a arma cair. Mas talvez o erro fora meu, e não dele.
Como se total e antecipadamente calculado, ele ergueu a perna até o joelho lhe encostar na barriga, e empurrou-a para frente, jogando o corpo para trás. A sola do tênis sujo me acertou no rosto, quebrando-me o nariz e quase deslocando meu maxilar.
Meus ombros penderam para trás, a cabeça sendo jogada, o sangue do nariz descrevendo um arco. Desci, embolando-me sobre mim mesmo, a escadaria até o meio-nível. Ele deixou as armas caídas, e avançou cerrando as mãos. Eu sabia, e acho que ele também, que até agora eu tivera sorte, apenas.
O primeiro soco desceu com todo o peso de seu corpo. Eu tentei rolar para o lado, mas não consegui evitar. O punho me acertou na nuca, fazendo minha cabeça quicar. Virei-me de bruços, enquanto ele se preparava para o próximo soco, e joguei as pernas para cima.
Por pura sorte, sempre ela, acertei-o nos bagos com força suficiente para fazê-lo hesitar. Aquilo lhe deu mais raiva, e me deu tempo para me arrastar para os degraus que desciam, e levantar-me. Pude ouvir passos rápidos pela escadaria. Mas ainda estavam a um andar e meio abaixo.
Ele me agarrou pelo pescoço, em uma gravata. Os braços não defeririam golpes, então abracei-o do jeito que pude. Joguei o corpo para trás, tirando os pés do chão. Ele perdeu o equilíbrio, dando dois ou três passos para trás. Foi o suficiente para que eu enrolasse minhas pernas nas dele, e jogar meu peso para a direta.
Caímos de lado, sua cabeça fazendo um barulho feio contra a quina de um dos degraus. Os braços afrouxaram em torno do meu pescoço, mas não o suficiente. Meu braço, pelo outro lado, quebrou ao bater nos degraus sob o peso dele. Houve a certeza, mas não a dor.
Os demais colegas chegaram correndo. Nos desvencilharam e levantaram. Tentei falar, mas foi inútil. Minha colega foi capaz de explicar o que ela tinha visto antes de correr e deduzido pela cena que encontraram. Foram preciso quatro rapazes para contê-lo, enquanto ele rosnava e tentava se soltar. Havia raiva em seus olhos, mas não sanidade.
Fui à frente das demais colegas, a garganta ainda lutando para abrir, o braço mole do lado do corpo, dobrando em ângulos impossíveis enquanto eu subia os degraus. Não quis segurá-lo: não estava doendo, e achei que doeria se o levantasse.
Saltei a tia da limpeza e atravessei a porta de supetão. Não deveria haver um cúmplice. E se houvesse, eu já tinha feito o suficiente para morrer como “herói”, ou o que o valha neste caso. De qualquer forma, realmente não havia ninguém. Avancei direto em direção a ela.
Às minhas costas, uma colega acendeu as luzes. Havia sangue, fezes, urina, vômito e o que mais fosse possível sair de um corpo humano vivo por todo o carpete. Mas isso abalou ferozmente uma única colega, que deixou sua própria contribuição de sujeira, em um arroto úmido demais para ser só de gazes.
O que nos deixou apavorado foi a visão dela. Estava presa à uma gigantesca armação de metal, o corpo todo sustentado por ganchos grandes, como os de açougue. Costas, braços e pernas suspensos do ar. Suas pupilas estavam presas por ganchos pequeninos, impedindo-a de fechar os olhos.
Ela estava consideravelmente machucada pelo corpo todo. Ao desviar os olhos, fui capaz de reconstituir toda a situação. Havia um colchão grosso, jogado atrás da armação, sujo de sangue, e comida enlatada pelos cantos. Havia também baldes, panos – uns sujos, outros limpos –, e produtos de limpeza.
Ele a usava na cama, de todas as formas possíveis – e eu desejei que isto fosse uma figura de linguagem: desejei que ainda houvesse alguma sanidade nele para evitar coisas hediondas envolvendo aquelas nojeiras espalhadas pelo chão, algum rato que pudesse passar pela sala, mutilações pequenas e coisas próximas.
Quando cansava, a limpava de qualquer maneira e a pendurava naquele bizarro varal. Ele não queria correr o risco de que ela ao menos tentasse fugir. Os ganchos estavam enfiados dentro demais da carne, com uma precisão cirúrgica, para que ela tivesse coragem de forçá-los.
Ouvi uma das colegas descer correndo, gritando por ajuda. Seu ultimo grito foi um esgar triste quando ela passou pela porta, por cima do corpo da faxineira. Vi os olhos dela perderem o alívio que ganhara ao nos ver, voltando para um pavor de gelar o sangue. Eu soube antes que a luz se apagasse, sem precisar me virar...

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Esquizofrenia - Capítulo 2 - Parte 2

Rômulo acordou sobressaltado. Os olhos abrindo de repente, forçando o cérebro a religar todas as áreas inertes durante o sono. O que, certamente, funcionou muito bem: o segurança nunca acordara com lembranças tão frescas do que sonhara; e aparentemente acordara de um sonho dentro de outro, para só então realmente acordar.
Ele odiava qualquer sonho que não fosse total e completamente comum e possível de realmente acontecer. Sonhos em que dirigia em alta velocidade em um grande conversível vermelho, em que comia um pequeno peru natalino inteiro... em que tinha “boas relações” com uma certa enfermeira.
De qualquer forma, não demorou muito para reconectar-se com o mundo real à sua volta. Estava sozinho na sala da segurança, na recepção principal, na entrada do hospital. Olhou para o relógio e estranhou a situação toda; ele deveria estar acompanhando Lisa e um outro enfermeiro nos atendimentos à pacientes mais agressivos. Aparentemente, seu colega – baixo e magro, mais um “cuidador de câmeras” do que alguém capaz de deter alguém – fora levado em seu lugar, o que era fora das regras: apenas Rômulo era autorizado a fazer aqueles acompanhamentos.
E tudo isso era realmente muito estranho, já que ele sonhara que estava fazendo aquelas visitas... E, nossa!, como seu pescoço doía.
Estava escuro, e a única luz entrava pela janela pequena da sala, que dava para o jardim interno. Aparentemente chovia lá fora. O segurança levou a mão à nuca e torceu o pescoço para os lados; tinha dormido de mal jeito naquela cadeira desconfortável até mesmo para sentar, e... Seus olhos arregalaram-se ao caírem no cronograma. Hoje era o dia! Ele deveria ter posto em prática o plano do qual o senhor Freeman o tinha encarregado. Oh, Pai, ele havia sonhado até mesmo com a cobrança do velho!
Olhou novamente para o relógio. Se corresse – como se fugindo do próprio diabo – até o subsolo, talvez alcançasse Lisa à tempo. Talvez ela tivesse, como fizera uma única vez, começado pelo último paciente da rota, deixando Jonathan para o final.
Levantou-se, mas o pescoço latejou tão forte que a visão escureceu e o equilíbrio quase fugiu por completo. Tentou colocar as vértebras no lugar, a cabeça pesando para os lados. Avançou vacilante, tateando o ar em busca da maçaneta.
Os olhos clarearam com as pupilas dilatadas. A pouca luz que entrava pela janela caia pesadamente contra a parede junto à porta. Ao lado do umbral fechado, havia um mural de avisos. No mural, algo que o cérebro de Rômulo tentou – com todas as forças, mas sem sucesso – negar, enquanto um terror lhe subia frio pela espinha.
No mural, um alfinete, circundado por uma mancha – marrom, àquela luz acinzentada – de digital, prendia um desenho infantil.
Era um desenho bobo, de traçado inocente, mas não capaz de mascarar o demônio retratado, o horror presente em cada reta e cada curva. O monstro era realista demais naquela imagem, e mesmo sendo impossível que fosse real, algo no coração de Rômulo acreditara nele de um jeito aterrador que realmente o impulsionara porta a fora.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Esquizofrenia - Capítulo 2 - Parte 1

Valence Town, trazia, em letras garrafais e decorativas, à frente do folhetim promocional.
Valence é uma pequena cidade universitária. E isso (pequena e universitária), neste caso, é uma grande controvérsia... por mais que seja verdade: a cidade possui duas escolas, uma particular e uma “pública”, e ambas disponibilizam cursos superiores.
Em suma, Valence era uma cidade autossuficiente. Por um lado, era capaz de receber gente nova a cada novo semestre e abrigá-los ao longo de 4 ou 5 anos. Por outro, nunca crescia; Era destinada à ser uma cidade pequena para sempre... até porque, seu território é marcado por altos muros cercando-a ao sul e à leste, por um largo rio à oeste e morros e um denso bosque (um parque florestal com “resquícios” de mata natural) ao norte.
Uma cidadela turística, no final das contas. Uma cidadela pequena demais para tanta coisas que incorporara ao longo dos anos. Coisas bobas, como “universitária” e “turística”, e coisas mais pesadas como... bom, como crimes um tanto quanto desagradáveis em qualquer cidade.
Quase ninguém lembra, e a maioria que se recorda, toma como lenda (merchand) a série de assassinatos ocorridos à mais de cinquenta anos. Na época, a polícia categorizou como obra de psicopatas completamente doentes; o padre, como obra de rituais macabros de veneração ao capeta. Independente do que diga a ciência, mal sabe o padre que ele é o que mais perto chegou da verdade...
Da mesma forma, caiu no esquecimento o incidente de, mais ou menos, dez anos antes. O filho mais velho de Azmaria matara a irmã mais nova; um assassinato brutal. A pobre mulher levou quase três anos até estar apta a trabalhar novamente. Acreditou-se que ela nunca conseguiria reconstruir a vida nunca, mas não foi grande surpresa – nem houve muitos comentários – quando Landau e ela começaram a andar de mãos dadas pelas ruas da cidade.
Landau era o médico de seu filho, fora o psiquiatra de Azmaria durante toda aquela fase difícil, nada mais natural, diziam as pessoas, que ela se apegasse a ele para reerguer-se do fosse que aquele garoto do Rubro a enfiara. Pouco também fora a repercussão na imagem de Landau: sua vida era imaculada, sua índole intocada, e ele – que saíra de Valence apenas para suas formações acadêmicas – era uma das pessoas mais influentes na pequena cidade.
Mas, nunca, nada, realmente, em Valence, voltou a ser, nem mesmo próximo, como era antes. E talvez, só assim, ao menos uma vez, em Valence, a coisa se encaminhasse para aquilo que se considera normalidade...

sábado, 17 de dezembro de 2011

Roland - Parte 2

Uma "abertura" antes da postagem em si...
A fanfic baseada em A Torre Negra, de Stephen King, foi reavaliada para uma história menos limitada à esta condição. Assim, deixei de lado o título original da obra de King, alterando-o para Roland.
Agora, sim, à postagem. Boa leitura

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O gaucho avançava pelo deserto.
Ao longe, era capaz de ver as montanhas sempre à leste e o mar sempre à oeste. Há seis anos tinha aquela companhia, e ela era aterradoramente eterna... mas não de todo o ruim; quando se sentia mal, de qualquer forma, por causa do cenário que nunca era deixado para trás, pensava consigo que seria pior apenas o deserto. Sentia uma estranha crise de claustrofobia (?) sempre que pensava naquele sinistro “globo de neve” que era o deserto – areia por todo a base interna e a cúpula de vidro fingindo-se maliciosamente de céu aberto – e se sentia grato por aquilo que havia à sua esquerda e à sua direita.
Caminhava sem vontade, e só o fazia porque seguir aquele caminho era tudo que lhe restava. Suspirou fundo, olhando pela enésima vez para o sol quente e sempre disposto a escarnear dele. Continuava, não porque acreditasse – ou mesmo se importasse qualquer pouco – pela lenda que o elegera como O Sobrevivente; não porque aquela era a trilha decidida pelos deuses para que ele trilhasse para cumprir seu destino e “rebobinar” a Grande Roda do Karma do Universo.
Ele sentou-se na areia, dentro das ruínas de uma pequena casa de tijolos de barro e palha. Já passava daquilo que em seu tempo fora chamado de dez horas da noite, não que isso importasse qualquer pouco... não para ele, que poderia parar sempre que estivesse cansado e tivesse suprimentos que compensassem, nem para aquele maníaco sol que hoje, como fizera já outras vezes, não se deitara.
Continuava por vingança. E a necessidade de vingar-se estava tão arraigada nele, que já chegara a se perguntar em (in)um(eros) momento(s) o que faria depois de finalmente conseguira. Sua apatia com a vida era grande o suficiente para impedi-lo que se matasse, direta ou indiretamente. Mas o que ele, então provavelmente o último humano na Terra – tendo em vista que ele matara o “outro sobrevivente” – poderia fazer naquela inútil ruína atroz? E, ah, como ele tinha medo dessa pergunta e total horror da resposta mais fácil para ela: seguir, finalmente, para seu destino... se é que um dia ele conseguiu afastar-se dele.
Observando a pequena fogueira que fizera para assar o diminuto rato – e última proteína que tinha em seu suprimento – que teria para a ceia (essas palavras, já sem qualquer significado, sempre o faziam sorrir... aquele sorriso sem qualquer graça por trás, duro e seco, maduro e irônico demais, mas ainda assim espontâneo, se é que lhe sobrara qualquer sorriso que não precisasse de força para surgir), pensou em todas as chamas que lhe marcaram a vida que tivera há muito, muito tempo: o fogo na vala em que se assava o churrasco, a vez que machucara os dedos com um fósforo que deixara queimar até o fim, os fogos de artifício que o Bento fazia questão em toda troca de ano e em homenagem ao Homem Jesus, o fogão à lenha que esquentava a cozinha da estância durante todo o inverno, a própria estância como uma pira gigantesca quando o Império avançou...
Acendeu um palheiro. Remexeu em sua mala de garupa; precisava torná-la confortável para que fosse usada como travesseiro. Retirou dali, largando entre ele e a fogueira, um saco balas de revólver, um afiador, uma boleadeira e mais alguns outros objetos.
Tomou nas mãos um facão e observou o cabo, sua extensão recoberta por tiras de couro gastas pelo tempo e manuseio, e a marca em sua base. Depositou-o no chão e pegou um revólver, também marcado na base da coronha encrostada de ouro. Retirou-os das bainhas, e ambos reluziram em um estranho azul perolado à luz da fogueira, sem refletir o avermelhado do fogo.
O rato estava quase pronto. Procurou as trouxas de couro com os vegetais secos e salgados. A comida teria o tão conhecido gosto acridoce característico de legumes em iniciada decomposição, não que ele realmente se importasse. Ainda era capaz de lembrar do repolho azedo que, mesmo vindo de outra cultura, era comum em sua região. Retirou da cintura o facão – comum – e o roedor do fogo; levou o espeto à boca, mordeu o primeiro pedaço, cortando o pedaço com a faca, e mastigou firme. Pegou um pedaço de cenoura com a ponta do facão e levou a boca.
Intercalando carne e vegetais, comeu sem pressa. O sol ainda brilhava firme, mas finalmente afastando-se do centro do céu, quando ele deitou-se. O dia de amanhã será tão tedioso e idêntico ao de hoje, e caminhar seria tudo que faria. Talvez se aproximasse das montanhas para caçar, ou do mar e tentar a sorte numa “pescaria”. Talvez, se achasse água doce, mateasse solito por algum tempo. Talvez, se encontrasse uma vaca ou ovelha, fizesse um churrasco de verdade. Talvez... talvez...
… e a escuridão lhe envolveu, levando-o para longe de qualquer pensamento, para um sono frio e sem sonhos.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Esquizofrenia - Capítulo 1 - Parte Final

Havia aquela voz... Aquela voz me chamando... Tão longe... tão... (tão conhecida?)
Era uma voz de mulher... uma voz tremida, rouca... Uma voz que me causava medo...
Abri os olhos. Ainda estava no mesmo lugar de antes: aquele quarto de hospital. Meu rosto ardia contra a porta e as minhas costas doíam naquela posição estranha, como se eu estivesse sentado com a pélvis no chão. O desconforto estava ali, não que isso embaralhasse mais – ou clareasse qualquer pouco que fosse – a minha mente.
A única coisa da qual tinha certeza era de que aquele canto era o único ponto iluminado. A luz fria entrava pela janela – ainda chovia lá fora – e o resto era pura escuridão.
Me virei, me ajeitei devidamente sentado com a bunda no piso frio, as costas contra a parede. Tornei a ouvir o meu nome, mas agora a voz vir de uma dupla. Duas pessoas perdidas na escuridão me chamavam, uma de Johnny e a outra por Jonathan, não que houvesse grande diferença pra mim.
Vem, disse a mulher, diretamente à frente, e eu olhei. Ali deveria haver a maca onde eu estivera deitado por – quanto? - tempo. Vem, ela repetiu, e duas pequenas bolas vermelhas se abriram. Duas bolas feias, ruins, com um olhar cravado em mim. Vem, ela insistia, e como não me movi, ela arrastou-se. Podia ouvir o arrastar enquanto ela se movia na minha direção. Seu chamado ganhavam um tom de urgência conforme a outra voz voltava.
Ela estendeu um braço magro na minha direção; um braço que pareciam só ossos envoltos de um tecido qualquer que não pele humana. O braço entrara na luz, mas não tentava puxar mais a coisa pro meu lado; ao contrário, a mão nojenta, machucada e fedendo a pus, com compridas garras vermelhas, tentava agarrar a minha perna.
Eu me encolhia no canto da parede, a mão cada vez mais perto do meu tornozelo, quando a outra voz ficou mais forte que a da mulher. Era um homem... um homem que gritava o meu nome... que gritava vai!
O braço, de repente, se dobrou estranho para cima. Os olhos vermelhos fecharam, e um som parecido com o de um graveto quebrando pareceu ecoar pela minha cabeça... Mas foi aquele grito que me fez finalmente acordar.
Eu ainda estava no mesmo quarto no qual caíra de mal jeito contra a porta: era tudo igual, inclusive a contínua iluminação. O segurança gritava vai! na minha direção; embaixo de seu coturno pesado estava o braço da enfermeira – com grande parte do corpo embaixo da cama –, e ao seu lado havia a maldita seringa com o estranho líquido escuro.
O outro enfermeiro estava com o rosto bem machucado – duvido que a mãe dele o reconhecesse daquele jeito – mas estava em pé, sorrateiro na direção do segurança.
O homem que me defendia gritou vai! mais uma vez, e eu fui. Me levantei rápido, gritei atrás! e abri a porta. A ultima coisa que vi, foi o segurança se virando... mas acho que foi tarde de mais.
Eu, no entanto, ganhava os corredores correndo. Não sabia nada do que estava acontecendo, mas meu instinto animal (acuado) – ou o que sobrara dele – me dizia para correr. Correr o mais rápido e para o mais longe de tudo aquilo. Haveria, esperava eu, um momento melhor para tirar qualquer dúvida.

Jonathan corria pelos corredores, quase sem notar que eles escureciam. Não que as lâmpadas enfraquecessem, mas como se a escuridão ficasse mais densa, ocupando lugar no espaço suficiente para criar sombras próprias.
O fato de não encontrar qualquer alma viva dentro de um hospital, com uma briga barulhenta em um dos quartos, não lhe pareceu estranho. Na verdade, se deu-se conta disso, não teria qualquer diferença. Johnny tinha dormido no término de sua primeira década de vida, e acordado aproximadamente quinze anos depois. Nenhuma criança – confusa e – assustada com pessoas acharia ruim não vê-las pelos cantos.
Jonathan apenas corria, fugindo sem saber para onde, certo apenas de que devia afastar-se do quarto, de qualquer enfermeiro e, se possível, sair do hospital.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Esquizofrenia - Capítulo 1 - Parte 6

Landau entrou em seu escritório por uma passagem lateral. Além do próprio diretor do hospital, apenas a enfermeira Lisa e Gerard, o chefe da segurança sabiam daquela entrada paralela. A porta fechou-se sozinha atrás do psiquiatra, enquanto ele olhava receoso para as mãos sujas de sangue, como em dúvida se era certo o que acabara de fazer.
Entretanto, a dúvida que seus olhos demonstravam era apenas uma pequena lembrança em sua alma – se é que ainda possuía uma – de uma dúvida que já não tinha desde a segunda vez que entrara naquela sala escondida.
Atravessou rapidamente o escritório e lavou-se na pia do banheiro. Sangue fresco não era difícil de sair, seja das mãos encharcadas, seja do rosto respigado. Jogou o jaleco e os sapatos indiferentemente junto às demais peças sujas, como quem joga uma camiseta suja apenas do leve suor de um dia frio.
Devidamente limpo – mãos, rosto e vestes, mas não o músculo negro que bombiava o seu próprio sangue –, Landau serviu-se de uma boa dose de uísque e sentou-se à sua escrivaninha. Olhando fixo para a porta principal, a única nas plantas e documentos do hospital, e para qualquer um que entrasse ali, enquanto pegava o chaveiro do bolso, encontrava uma chave e, com ela, abria a primeira gaveta de sua mesa.
Pegara um frasco de comprimidos e o depositava ao lado do copo cheio e sem gelo. Vasculhou, então, com as pontas dos dedos até encontrar um pequeno filamento que, ao puxar, retirou todo o tampo da gaveta, revelando um fundo falso, e retirou de lá uma folha A4 já amarelada. Fechou e chaveou a gaveta logo em seguida.
Só então desviando os olhos da porta, deixou-os repousar sobre a folha rabiscada à sua frente. Abriu o pequeno frasco e retirou de lá o primeiro comprimido, colocou-o na boca e empurrou-o com a língua até os cisos. Mastigando, avaliou o desenho que lhe tirara muitas noites de sono, buscando por um sentido – pelo menos um único sentido que fosse – para aquela imagem aterradora, querendo ajudar o menino que o fizera.
Tomou o primeiro gole, observando o traçado tremulosamente firme e cada marca onde a ponta quebrara, lembrando de que William, mesmo hipnotizado, esperara que Landau se aproximasse, pegasse o lápis, o apontasse e entregasse novamente à mão posicionada sobre a prancheta do menino que desenhava em pé.
Levou mais um comprimido à boca, arrastando-o com a língua pelos dentes do outro lado. Enquanto mordia, olhava para aquilo que descrevera à sua namorada como “o chá do Chapeleiro aos pés de Cristo”. Ninguém que viu aquele desenho conseguiu encontrar qualquer lógica nele, qualquer sentimento que pudesse tê-lo norteado; era bem-feito demais para alguém hipnotizado, em choque ou qualquer coisa que o valesse. Era bem feito demais para representar qualquer coisa que um garoto como William pudesse ter visto e/ou feito, tendo em vista tudo o que e como aconteceu.
Uma imagem que certamente não teria significado, atualmente, para Landau, não fosse um achado no sótão da Mansão Blake. Não fosse a ponta do precipício no qual o doutor se jogara sem saber, mas que, ao perceber como, porque e para onde caía, procurou com vontade tomar cada vez mais impulso para baixo. Algo que, talvez, qualquer pessoa faça, frente a conquista de novos poderes, sejam, por exemplo, econômicos, ou sociais.
No dia seguinte ao desenho, cinco dias depois do incidente, a mansão estava completamente vazia. Azmaria estava internada em estado de choque; William era acompanhado por uma equipe exageradamente grande de psicólogos, psiquiatras e psicopedagogos que discutiam o efeito como causa de uma educação falha, bullyng escolar, negligência materna, ou qualquer explicação sem cabimento; Isabella estava em uma gaveta no IML à espera de  um parente que retirasse o corpo, ou o que foi possível reconstruir dele; e o policial, encarregado de impedir que pessoas não-autorizadas entrassem e mexessem onde não deveriam, dormia tranquilamente dentro da viatura estacionada na entrada da garagem.
A casa ainda estava sob alguma investigação para reconstituir o crime, mas Landau – como líder da equipe psicótica que cuidava do principal suspeito, e com a desculpa de que a casa poderia contar alguns detalhes importantes sobre o garoto – conseguira autorização para vasculhar o que quisesse dentro da casa... desde que acompanhado pelo detetive encarregado do caso.
Na época, Landau não se importava em colaborar com a investigação policial. Muito pelo contrário, sua intenção era justamente ajudar em tudo que estivesse ao seu alcance para solucionar aquele terrível assassinato, e salvar a família que conhecia à tanto tempo da destruição certa.
A busca durara uma hora até o frustrado psicólogo chegar à entrada do sótão. Revendo, agora, passo à passo sua rápida passagem pela casa, Landau era capaz de perceber como cada detalhe, como a posição de cada objeto, cada móvel pareciam indicar, invariavelmente, para o sótão, querendo lhe poupar da perda de tempo. Assim como o fato de o detetive ter sido, justamente no momento em que subiriam a escada retrátil, acometido por uma necessidade de ir ao banheiro grande suficiente para que o policial permitisse que o médico continuasse sozinho.
O que encontrara lá em cima, na mansão, atualmente estava reconstituído em sua sala secreta: a mesinha redonda posta com uma chaleira e quatro xícaras com pires, mas apenas dois bandos posicionados diretamente um à frente do outro. Os itens só puderam ser removidos da casa quase seis meses depois do ocorrido, com autorização – concedida de bom grato, na esperança de que ajudassem na “cura” de seu filho – da proprietária, quando Azmaria recebera alta e a polícia já havia feito com o imóvel tudo que suas mentes mais brilhantes pudessem ter imaginado para chegar à algum lugar com a investigação; mas desde a primeira visita os símbolos estranhos decorando a porcelana do jogo de chá e entalhados na mesa e na cadeira pareceram saltar aos olhos de Landau, enquanto passavam despercebidos para qualquer outra pessoa.
O médico havia fotografado tudo com seu celular e teve de se despir de seu ceticismo científico para lidar com aquilo. Muitos dizem que os céticos não vêem fantasmas ou não são agraciados por milagres porque simplesmente são incapazes de acreditar, porém, a cena montada naquele sótão era a mesma desenhada por William, e talvez a crença fosse a única maneira de ajudá-lo. Mas não haviam fontes de pesquisa.
Os símbolos levaram Landau para os sites mais imbecis que já havia acessado. Páginas que falavam de uma tal de criptologia, pseudociência que dizia estudar vampiros, sobre como Deus fora assassinado pelos humanos na Idade das Trevas, como atingir o Plano Alfa através da meditação e como mentalizá-lo para conseguir uma vaga por mais lotado que estivesse o estacionamento, e quaisquer coisas do tipo. Mas as referências eram sempre as mesmas: Eles e o Livro de Anon, ambos constantemente citados em vários textos, usados como base para tornar verídico o que cada site apresentava, mas nunca fazendo qualquer menção sobre o que de fato seriam.
Landau chegara a descobrir, posteriormente, o que era cada coisa, como funcionava e para o que servia, se é que estes seriam os termos corretos. Agora, engolindo o quarto ou quinto comprimido com o sexto ou sétimo pequeno gole de uísque, observava o que lhe fizera começar com aquilo tudo.
Estava perdido em pensamentos, esperando que o efeito – ou do que fizera na sala oculta, ou dos remédios em conjunto com a bebida, o que viesse primeiro – começasse, quando ouviu uma batida leve. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma enfermeira fez-se ver; acompanhado dela, estava um homem velho, as costas arqueadas e os olhos esbranquiçados, vestido com uma batina preta.
- Não se levante, filho – disse o padre para Landau, e então, virando-se para a enfermeira, pediu – Pode me deixar aqui, moça, eu conheço este escritório melhor que a minha igreja.
Com um sorriso gentil, ela soltou o braço do velho, que apoiou firme a bengala no chão, e sorriu para Landau, que lhe respondeu com um aceno de cabeça. O ancião entrou e fechou a porta, sua voz ao mesmo tempo trêmula e forte fez ouvir novamente:
- Já disse que não, doutor Landau. Termine sua bebida e guarde seus papéis. Depois que o diretor do hospital sair desta sala, aí sim venha me cumprimentar como o Carlinhos que sempre quis tão bem. Eu espero... em pé, claro, porque as costas já não me permitem sentar e levantar a hora que bem entendo.
Em silêncio, Landau guardou o desenho no fundo falso e o frasco na gaveta. Virou o ultimo gole de uísque e, ao largar o copo no barzinho, abriu o frigobar e tomou um grande gole de água com gás. Desejoso de que não estivesse fedendo à álcool, se aproximou do padre e se ajoelhou à sua frente.
- Sua bênção, professor doutor, senhor Clower – disse em respeitosa brincadeira, beijando a mão do ancião.
“Que Deus te abençoe, meu filho”, respondera o padre, mas Landau poderia jurar que ouvira o outro dizer “Ele”, se é que não tivesse dito no plural.
- Sabe, Carlos, tenho andado preocupado contigo.
- Porque, padre?
- Tenho tido sonhos estranhos e acordado pensando, quando não gritando teu nome. E, desde que esta porta se abriu, poderia jurar que vejo uma forte luz vermelha – riu, mas Landau percebia o nervosismo mal disfarçado naquilo que deveria soar como divertimento – Mas já não enxergo a tanto tempo, não é mesmo?
“Sim”, pensou o médico, “desde o dia que tudo isso começara”

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Roland - Parte 1

Estava deitado no sofá, assistindo à um clipe bizarro da Lady Gaga com completo desinteresse. Não que eu não gostasse de Lady Gaga, mas porque o dia parecia tão bonito e ensolarado pela janela e eu, por outro lado, estava completamente entediado, dentro de casa, observando o reflexo luminoso pela tela à minha frente.
Ouvi o som na parede, pelo lado de fora. Um barulho conhecido, reconhecível, mas que há muito eu não ouvia. Negando a expectativa do que surgiria em minha janela, evitei olhá-la diretamente, olhos cravados contra a televisão. Surgiu o vulto no reflexo, pequeno e negro. Esperei que miasse, só então olharia para o objeto que fazia sombra na tela à minha frente. Havia um nó na minha garganta, e meus olhos enchiam-se de água.
Miou. “Jake”, chamei, antes mesmo de olhá-lo. E lá estava ele, meu gato preto, morto ao que me parece muito tempo. Os velhos olhos verde-amarelados, os pêlos negros terminados em ruivos, a mancha branca no peito e a cicatriz do lado do rosto.
Ele desceu pela parede, se aproximou em silêncio. Tive medo de como ele estaria, se federia à terra, se viera para vingar-se.
O gato olhou-me e começou a ronronar, e meu medo desapareceu. Subiu no meu colo em um pulo, e eu entendi instantaneamente que, por pior dono que eu tivesse sido para ele, meu gato sempre soube o quanto eu o amava, e entendia toda a situação, a ligação que eu havia criado para com ele. Acariciei-o como sabia que ele gostava, começando pela cabeça e indo até o final da cauda; e ele respondeu como sempre o fizera, ronronando e esticando a cabeça para cima, erguendo as costas ao meu toque, espichando o rabo e sovando meu peito e meu estômago.
Por mais estardalhaço que Jake tenha feito, eu fui capaz de ouvir um pequeno gemido da porta entreaberta. Não ouvi qualquer outro barulho, não localizei qualquer sombra ao meu redor, nem senti qualquer movimentação. E essa furtividade traída por uma porta a qual ele fora obrigado a empurrar me deu a certeza que me faltava. A dúvida não era de quem cuidava de meu gato; sempre suspeitei que ele não havia realmente morrido.
- Sai – suspirei, ainda acariciando meu gato.
Uma voz que nunca tinha ouvido, mas que me era totalmente conhecida, me respondeu em uma língua que reconheci como inglês, a pesar dos trejeitos de linguagem tão incomuns. Seria completamente entendível para quem falava inglês, o que não era o meu caso.
- Não falo a tua língua, pistoleiro, nem espero que fales a minha. Não preciso ver as tuas armas para saber porque vieste.
Não precisei virar-me para saber que sorria.
*
Acordei sobressaltado. Estava realmente deitado no sofá, e na televisão passava o clipe da Lady Gaga. Pensei que nada poderia ser pior que aquele sonho, depois de tantos outros.
Foi espirrei. Minha antiga – e por vezes ignorada por mim – alergia se fazia presente. Tentando não encher-me de esperanças, olhei para as mãos. Por mais que tivesse certeza do que encontraria nelas, ainda assim me assustei.
Minhas mãos estavam cheias de pêlos negros.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Eu não consigo ver a docência sem a pesquisa


Às favas com a formalidade exigida pelo meio acadêmico, professora, mais ou menos como aconteceu no próprio encontro. Sei bem que a senhora solicitou um relatório “científico”, mas o que mais tenho à relatar acabará por transformar este texto em um relato “bastante emocional”.
E não vejo melhor maneira de iniciá-lo do que com o que disse aos meus colegas ao sairmos da comemoração: “é nessas horas que a gente sente um baita orgulho da profissão que escolheu” e “que vontade de levar uma daquelas velhinhas para casa e chamar de vó”. E também o que disse ao professor Luiz Fernando, no outro dia: “que lição de vida, heim?!”.
Acho que aquela foi a primeira vez que eu me senti realmente “em casa” pelo curso que eu escolhi e pela universidade em que o estou cursando. Por algum motivo que não sei explicar, fui engolfado pelo momento de nostalgia  que cercava as duas antigas professoras e seus antigos alunos, e acabei sentido saudades de coisas que não vi. Me senti emocionado pelo vigor das duas e por sua lucidez senil (o que quero me referir com isto é ao fato da idade sempre nos abater, deixando fraco o mais sadio dos cérebros, obrigando-nos a repetir palavras e usar de redundâncias para mantermos ou retornarmos à uma linha de raciocínio).
Ouvir seus relatos também me entristeceu... por um motivo que já me trouxe tantas vezes esta tristeza estranha de não ser útil. Afinal, o que será da minha geração e das que estão por vir, se nós já vivemos tudo? Já se foram os grandes impérios, as Cruzadas, as Grandes Navegações, o(s) Renascimento(s), as Revoluções. Já se foram os movimentos hippies, punks, dark/góticos, feministas. O rock já morreu, o sertanejo já perdeu sua raiz, o samba só como enredo... até o funk – suposto “ápice hormonal” da juventude brasileira – foi baleado letalmente. O que nos resta depois de tudo? Em contra-partida, aquelas mulheres viveram e enfrentaram – de certa forma – a Ditadura.
Elas falaram de uma época em que os educadores se encontravam todos na sala de professores e conversavam sobre tudo, compartilhavam todo o tipo de experiência e conviviam intimamente, trocando piadas e participando dos mesmos churrascos e das mesmas bebedeiras. E hoje, nem os professores de escolas pequenas têm mais isso; é cada um no seu canto, ou em grupinhos rivais. Na verdade, essa união comentada por elas já não existe em mais nenhuma empresa, em nenhum emprego... é um diz-que-me-disse para lá, é um puxando o tapete do outro para cá. Na verdade, na verdade, é assim em todo o lugar, quase sem exceção.
Prosseguindo no “cava-cova”, senti-me inútil, vegetativo, pois tive reforçada a certeza de que meu “destino” é a pesquisa e tudo que virá com e através dela: o aprendizado, a orientação, o conhecimento, a pós-graduação, o mestrado, o doutorado, eu como professor universitário, como orientador, como escritor, como pesquisador, como RPGista. Mas também a decepção e a certeza de que isso foge cada vez mais do meu alcance, escorre como areia por entre meus dedos, e eu me sinto cada vez mais perdido, como se eu estivesse em um navio à deriva e sem qualquer equipamento de bordo funcionando, olhando para um céu do qual nunca aprendi à, ao menos, reconhecer estrelas para tentar me localizar. O distante aperto no peito que se sente quando se acha que é o fim do caminho, sendo que não há parede ou qualquer outro obstáculo intransponível.
Também fui obrigado à discordar delas, no momento que comentaram sobre a dedicação dos alunos antigos com suas formações ao ler grandes quantidades de textos. Eu simplesmente não consigo conceber isto como o foco principal de uma formação: a leitura. Talvez seja pelo fato de eu ler muito devagar, ou pelo fato de eu aprender mais fácil ouvindo e poder contra-argumentar, questionar e me envolver diretamente. O que eu sei é que não consigo entender/perceber o ensino-aprendizagem através de textos... é como se, assim, o professor fosse apenas um indicador de obras, e não um compartilhador de seus conhecimentos e experiências. Eu acredito que o professor deva ensinar e utilizar textos como apoio, mas o que acontece é justamente o contrário: nós somos obrigados a aprender através dos textos e o professor surge como uma entidade redundante e repetitiva, servindo quase como que apenas para avaliar o que nós absorvemos ou não dos textos solicitados, quando deveriam avaliar, na verdade, o que eles próprios conseguiram transmitir e se o fizeram da melhor forma. Essa coisa de textos e textos acaba tornando-se confuso, e culminou – por exemplo, e talvez não o melhor - em um dos motivos de eu ter desistido do curso de Letras: quando alguém colocava o que um linguista havia dito em um texto, o professor citava um gramático que desmentia aquela tese; quando alguém apontava o pensamento de um gramático, o professor revidava com a visão de um linguísta; em ambos os casos, dizendo que o aluno estava errado, mesmo havendo retirado suas afirmações dos textos sugeridos.
Quanto à pesquisa, que é a parte que a senhora mesma comentou como a qual deveríamos relatar, eu concordo com a professora Helga, por mais contraditório que isto possa soar da minha parte. Mas é que são questões diferentes, por exemplo, eu não concebo um professor com meias informações. Eu não vejo um professor como bom professor quando este está desatualizado, ou mesmo quando não mantém fresco na memória os conceitos que deve compartilhar. Eu vejo os textos, as obras, como meio de preparação do professor para as aulas que deverá ministrar, e não como método de manter o ritmo do conteúdo. E, como professor-pesquisador, o educador acabará por formar sua própria visão dos temas abordados, quando não trabalhará e escreverá sobre eles, sistematizando seu ponto de vista e o resultado de suas pesquisas.
Mas também trouxe o sentimento gostoso de ver meus professores com cara de aniversariante infanto olhando sua montanha de presentes. Por mais que seja lógico, é meio estranho pensar em nossos professores com a nossa idade, passando por situações pelas quais passamos; e foi bom – e, porque não, bastante bonito – vê-los com “cara de criança” à frente de suas professoras, e perceber que eles também foram jovens, que também tiveram de amadurecer tanto no pessoal quanto no profissional, que passaram pela graduação e que galgaram – como, creio eu, todos da minha geração esperam galgar – seus caminhos como quiserem e/ou da melhor maneira que puderam. É legal saber que “vocês” são humanos, e com corações... não, brincadeira; mas esta imagem dos nossos professores como jovens é uma imagem boa de se ter. É algo que faz-nos sentir à vontade.
Enfim, o encontro me fez refletir sobre muitas coisas e chegar à uma conclusão: pelo bem ou pelo mal, é bom ter “pais” como vocês e “avós” como elas. É bom estar em casa.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Cult-game


Meu gato morreu. Sumiu há quase duas semanas; o pobrezinho acordou muito mal naquele dia, depois de passar pela – sem duvida – pior semana de sua curta vida. E, devido aos sintomas e ao desaparecimento dele, mesmo ruinzinho – coisa que era bem incomum vindo dele, já que ele corria de volta para casa por qualquer machucado e só tornava a “gatiar” quando já estava, no mínimo, 70% melhor -, que os vizinhos, sádicos demais para colocarem veneno em um pouco de carne moída – suponho eu que tenha sido atravéz desse “alimento” – substituiram a boa e velha estriquinina por vidro moído.
Vi um gato, hoje, que roçou na minha perna quando parei ao seu lado. Senti um terrível aperto no peito, já que o Jake estava, depois de “tanto” tempo, começando a roçar na gente. Simplesmente não há meios de homenageá-lo, ou mesmo expressar a dor que sinto pela perda dele, então decidi postar aqui dois textos que escrevi quando ele apareceu “envenenado” pelo vidro.
Descanse em paz, Jakinho...
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Estou cansado. Acho que este é realmente o melhor jeito de começar este texto. Na verdade, exausto, vindo de uma cansativa semana de trabalho ouvindo e dizendo exatamente as mesmas coisas, depois de uma primeira semana incrivelmente tensa na faculdade e um gato adoentado desde ontem à noite (possivelmente envenenado)... isso tudo culminou em uma crise inspiradora terrivel e angustiante pela simplicidade da coisa.
Nesta noite de transição entre a sexta-feira, 04 de março, para o sábado de carnaval, 05 de março, eu simplesmente não pude me dirigir à cama. Durante a aula tive uma imensa vontade de voltar aos meus trabalhos (há muito parados, diga-se de passagem) rpgísticos, mas foi durante o banho, recordando da ultima edição da unica revista impressa sobre RPG, que eu me dei conta de uma coisa ridiculamente boba.
Nós temos a grande e insana mania de estragar tudo, não? Nós temos livros básicos de RPG e infindáveis suplementos que, no final das contas, trazem números quase ao infinito. Os próprios cenários costumam trazer regras novas, houserules, monstros, raças, classes e todos os outros tipos de números impensáveis; e, no fim das contas, nos afastamos cada vez mais do sentido básico do RPG.
Talvez eu esteja falando besteira para a maioria das pessoas, mas vou dar um exemplo bem simples: nós temos, devido à História que se aprende na escola, a idéia de que a maioria dos indígenas das Américas eram um bando de “homens das cavernas” que corriam pelados por aí, sem qualquer tipo de sociedade complexa (com hierarquia política, religiosa, militar etc.), enquanto, na verdade, tudo indica ter havido Estados (cacicados, para não pecar por excesso) fortes e amplos, bem estruturados, como os Incas, Maias, Astecas, Romanos e tantos outros.
Nós simplesmente temos mania de virar as costas às ciências que servem, ou deveriam servir, de base ao nosso hobby, como Geografia, Sociologia, Teologia, Antropologia e a própria História. Não estou dizendo, aqui, que apenas Doutores seriam capazes de jogar um “RPG de verdade”; até porque, creio eu, nenhuma instituição de ensino (inclusive a Academia) trabalha mais com conteúdos (“quem descobriu o Brasil? Em que ano? Como chegou aqui?) e sim com competências (“analisar a organização social, econômica, política e cultural das sociedades complexas das Américas para que possa comparar as diferentes culturas”) pelo simples motivo que conteúdo, hoje, é disponível à todos pela internet de uma forma bastante completa e densa, basta aprendermos cruzar informações para conferir sua veracidade.
Estou falando que pecamos, e muito, ao trabalharmos com conceitos fixos. A cada livro que abrimos, temos raças estereotipadas com “habilidades” engessadas; é sempre, em batalha, o anão à frente, abrindo caminho, o humano no meio com ataques à distância, o elfo atrás com seu suporte mágico e o halfling correndo pelo meio do combate, cortando tendões de calcanhares e batendo carteiras. Classes tão entrevadas quanto, limitando personagens à uma unica função nos grupos. O que acaba, geralmente, “exigindo” que cada cenário traga mais e mais raças, mais e mais classes.
Mas, qual a real necessidade disso? Afinal, um guerreiro sempre foi um guerreiro, fosse ele godo, huno, nipônico, lusitano ou tupi-guarani... E, já que enveredei por esta linha, é interessante lembrar que, em nosso mundo, ao contrário do que pensara Colombo ao chegar às Antilhas, a única raça humanídea era a própria raça humana. Comparemos a diferença entre um omágua/cambeba e um italiano, por exemplo; um aborígene australiano, um nativo africano e um asiático.
Que fique claro, aqui, que não estou solicitando uma “abolição” dos cenários comerciais, ou qualquer coisa assim. Estou apenas abrindo uma discussão; solicitando, sim, uma reflexão sobre o tema. Por que uma necessidade tão grande em raças, classes, monstros e regras novas brotando de todo o lado? Por que a cor de nossas mesas se dá sempre através dessa miscelânea bizarra?, essas colchas de retalhos exageradamente mista e desconexa.
Por que não podemos focar nas culturas diversas que as raças clássicas podem gerar de acordo com o ecossistema que interagem e em que se inserem? Um bom exemplo é a Grécia clássica, que nunca foi um “reino” unido, mas várias pólis (cidades-Estados) dispersas; e mesmo compartilhando uma cultura genérica (como deuses, arquitetura, “vestimentas”, idioma etc), cada uma possuindo suas especifidades, divergindo inclusive nos sistemas de governo, “postura” militar e várias outras. Todas nascidas na mesma península recortada por morros, montes, montanhas etc.; com uma agricultura quase toda baseada em parreiras e oliveiras, que era o que o terreno permitia, e as viagens sendo mais fáceis através do Mar Mediterrâneo que por terra; situações que possibilitaram ao passo que obrigavam o desenvolvimento do comércio com a Ásia Menor e o Egito (que também tinha mais contato com os povos do Mar Mediterrâneo que com os demais da África, graças ao deserto que lhe cercava). Geografia, inclusive, que era um “limitador” militar, tornando muito mais viável a infantaria, estrategicamente treinada, que a cavalaria.
Nem precisamos ir, cronologicamente, muito longe para falarmos de “aventuras” sobre o debate proposto. Os atuais conflitos nos países árabes, e a guerra civil na Líbia já nos apresentam toda uma questão sócio-cultural, politico-econômica bem ampla (e problemática, diga-se de passagem) sem a necessidade de raças exóticas.
Acho que é possível, sim, explorarmos os manuais básicos ao máximo, mesmo que adaptando, quando necessário, customizando raças e classes, trocando uma habilidade por outra. É possível sair dos esteriótipos engessados das raças clássicas, sem perder suas propriedades e fugindo dos clichês. É totalmente possível termos diversão máxima, mantendo a simplicidade e nos afastando dos estigmas de “jogo chato e difícil”, “pesado e cheio de regras”.

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Para MRM
Ainda é carnaval, e meu gato não morreu. Sei que é estranho começar um texto assim, mas é, na verdade, bastante adequado... bom, para o meu caso. Escrevi, entre sexta (04/03) e hoje, segunda (07/03), uma reflexão sobre a pouca exploração (para não falar em total ausência, o que, talvez, possa parecer um tanto radical demais) das ciências humanas como Sociologia, Antropologia, História etc., nos RPGs de mesa. Minha pretensão é que tal texto seja publicado na Dragon Cave (revista eletrônica do Mighty Blade, com a qual eu, também, procuro colaborar como posso), mas que, cedo ou tarde, acabará postado em meu blog (doerik.blogspot.com), de qualquer forma.
Bom, o que nos importa agora é que, ao decorrer destes dias, eu notei que essa falta nos RPGs de mesa também acontece, comumente, nos jogos eletrônicos (ditos) amadores. Mesmo com gráficos incríveis e roteiros envolventes, acabamos sempre por “pecar” na exploração de conceitos culturais, que costumam nunca ser um exagero.
Sei que não é um bom exemplo, já que seu foco é justamente este, mas God of War trabalha bem a cultura à que se propõe. Enquanto em nossos projetos (não sei agora, mas em minha época costumava ser 99,9% dos casos) os personagens vagam por mundos imensos (mapas tão grandes que sempre fugiram das minhas capacidades... e da minha paciência, claro), atravessam florestas, escalam montanhas imensas, exploram ruínas infindáveis e, no final das contas, a única diferença é gráfica; eles sempre chegam em uma cidade com um inn, um mart e NPCs que se expressam exatamente da mesma maneira... tudo sem qualquer traço cultural divergente de um canto e outro, uma região e outra.
Um exemplo “melhor” para ilustrar o que eu quero dizer talvez seja o game antigo, mas sempre renovável, Chrono Trigger. Para ser sucinto (e não criar um detonado, nem encher isto daqui com spoilers para todo lado), no “tempo presente”, o reino é dividido em 3 ilhas-continentes, duas delas habitadas por pessoas comuns e conectadas por uma ponte... na outra, ao oriente, vivem monstros que odeiam os humanos à séculos, que (extra-oficialmente) possuem seu próprio regente e mentém um culto ao maior inimigo que o reino já enfrentara, um mago que liderou os monstros em  uma guerra de vitória quase certa contra “nós”. Ao decorrer do jogo, nós somos apresentados à diversas culturas que vão além da “arquitetura e vestimenta”, mas que se expressam na fala dos personagens, em suas personalidades, históricos e visões de mundo, ambições e necessidades. As sociedades, suas complexidades (política, hierarquia, instituições etc.), seus modos de vida (incluso alimentação e comércio), estão ali, detalhados para mais ou para menos de acordo apenas com as escolhas do jogador (como a quantidade de vezes que ele falará com os NPCs, quais NPCs, antes e/ou depois de determinados eventos e por aí vai).
Como disse no Cult on the Table (o texto citado lá no começo), não estou colocando que apenas PHDs em Geologia, Arqueologia, Política e Economia seriam capazes de produzir bons roteiros, afinal, conteúdos estão aí, disponíveis à qualquer um, na internet. Se alguém quiser saber sobre um determinado evento como o Renascimento, a Inquisição, ou qualquer outro, precisa apenas digitar duas ou três palavras no Santo Google e ir refinando a pesquisa conforme achar necessário.. e, vóila, terá em sua tela tudo o que quiser saber, e mais um pouco.
Sei que muitos vão considerar isso trabalhoso e até desnecessário, mas eu me pergunto, embasado em tantos projetos nunca concluídos, se esse trabalho não valeria a pena. Será que, inclusive, não seria muito mais fácil de se elaborar o roteiro sobre uma guerra quando se conhece todas as questões políticas, econômicas e religiosas que costumam estar por trás desses conflitos? Será que um conhecimento, mesmo que exclusivo para o jogo, em história (mitos e símbolos), não torna a escolha de monstros e desafios mais simples e verossímil? Será que não seria muito mais prático ter algumas noções de geografia na hora de construir os mapas? Será que não seria tudo isso mais gratificante? Parece bobo, mas não é.
Sempre considerei a literatura uma boa base, mais para o RPG eletrônico que para o próprio RPG de mesa. E justamente por um motivo simples, mesmo quando a história foca um grupo de personagens, apenas um é o principal. Em O Senhor dos Anéis, a história gira em torno de Frodo, mesmo que Aragorn seja de extrema importância. Em A Torre Negra, o personagem principal é Roland, mesmo que ele não seja capaz de percorrer toda a costa do Mar Ocidental sem a ajuda de Eddie.
E é falando em livros que eu trago outro exemplo; Rangers – A Ordem dos Arqueiros é uma série infanto-juvenil que, até agora, tem me agradado bastante. É uma literatura gostosa e leve, sem deixar de ser densa e bem trabalhada; e o melhor, detalha muito bem as diferenças culturais dos reinos por onde a história passa, sem tornar-se cansativa e/ou tediosa.
A discussão/reflexão que proponho é sobre o quão distantes estamos das ciências, do ensino-educação e porque temos esta péssima mania de nos afastarmos mais e mais se estes conhecimentos podem facilitar nossos hobbys, e, inclusive, podem se tornar extremamente divertidos, cabendo apenas à gente escolher como trabalhar com eles.

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Caso as respectivas revistas quiserem publicar as matérias, não há qualquer problema.