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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Roland - Parte 1

Estava deitado no sofá, assistindo à um clipe bizarro da Lady Gaga com completo desinteresse. Não que eu não gostasse de Lady Gaga, mas porque o dia parecia tão bonito e ensolarado pela janela e eu, por outro lado, estava completamente entediado, dentro de casa, observando o reflexo luminoso pela tela à minha frente.
Ouvi o som na parede, pelo lado de fora. Um barulho conhecido, reconhecível, mas que há muito eu não ouvia. Negando a expectativa do que surgiria em minha janela, evitei olhá-la diretamente, olhos cravados contra a televisão. Surgiu o vulto no reflexo, pequeno e negro. Esperei que miasse, só então olharia para o objeto que fazia sombra na tela à minha frente. Havia um nó na minha garganta, e meus olhos enchiam-se de água.
Miou. “Jake”, chamei, antes mesmo de olhá-lo. E lá estava ele, meu gato preto, morto ao que me parece muito tempo. Os velhos olhos verde-amarelados, os pêlos negros terminados em ruivos, a mancha branca no peito e a cicatriz do lado do rosto.
Ele desceu pela parede, se aproximou em silêncio. Tive medo de como ele estaria, se federia à terra, se viera para vingar-se.
O gato olhou-me e começou a ronronar, e meu medo desapareceu. Subiu no meu colo em um pulo, e eu entendi instantaneamente que, por pior dono que eu tivesse sido para ele, meu gato sempre soube o quanto eu o amava, e entendia toda a situação, a ligação que eu havia criado para com ele. Acariciei-o como sabia que ele gostava, começando pela cabeça e indo até o final da cauda; e ele respondeu como sempre o fizera, ronronando e esticando a cabeça para cima, erguendo as costas ao meu toque, espichando o rabo e sovando meu peito e meu estômago.
Por mais estardalhaço que Jake tenha feito, eu fui capaz de ouvir um pequeno gemido da porta entreaberta. Não ouvi qualquer outro barulho, não localizei qualquer sombra ao meu redor, nem senti qualquer movimentação. E essa furtividade traída por uma porta a qual ele fora obrigado a empurrar me deu a certeza que me faltava. A dúvida não era de quem cuidava de meu gato; sempre suspeitei que ele não havia realmente morrido.
- Sai – suspirei, ainda acariciando meu gato.
Uma voz que nunca tinha ouvido, mas que me era totalmente conhecida, me respondeu em uma língua que reconheci como inglês, a pesar dos trejeitos de linguagem tão incomuns. Seria completamente entendível para quem falava inglês, o que não era o meu caso.
- Não falo a tua língua, pistoleiro, nem espero que fales a minha. Não preciso ver as tuas armas para saber porque vieste.
Não precisei virar-me para saber que sorria.
*
Acordei sobressaltado. Estava realmente deitado no sofá, e na televisão passava o clipe da Lady Gaga. Pensei que nada poderia ser pior que aquele sonho, depois de tantos outros.
Foi espirrei. Minha antiga – e por vezes ignorada por mim – alergia se fazia presente. Tentando não encher-me de esperanças, olhei para as mãos. Por mais que tivesse certeza do que encontraria nelas, ainda assim me assustei.
Minhas mãos estavam cheias de pêlos negros.