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sábado, 17 de dezembro de 2011

Roland - Parte 2

Uma "abertura" antes da postagem em si...
A fanfic baseada em A Torre Negra, de Stephen King, foi reavaliada para uma história menos limitada à esta condição. Assim, deixei de lado o título original da obra de King, alterando-o para Roland.
Agora, sim, à postagem. Boa leitura

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O gaucho avançava pelo deserto.
Ao longe, era capaz de ver as montanhas sempre à leste e o mar sempre à oeste. Há seis anos tinha aquela companhia, e ela era aterradoramente eterna... mas não de todo o ruim; quando se sentia mal, de qualquer forma, por causa do cenário que nunca era deixado para trás, pensava consigo que seria pior apenas o deserto. Sentia uma estranha crise de claustrofobia (?) sempre que pensava naquele sinistro “globo de neve” que era o deserto – areia por todo a base interna e a cúpula de vidro fingindo-se maliciosamente de céu aberto – e se sentia grato por aquilo que havia à sua esquerda e à sua direita.
Caminhava sem vontade, e só o fazia porque seguir aquele caminho era tudo que lhe restava. Suspirou fundo, olhando pela enésima vez para o sol quente e sempre disposto a escarnear dele. Continuava, não porque acreditasse – ou mesmo se importasse qualquer pouco – pela lenda que o elegera como O Sobrevivente; não porque aquela era a trilha decidida pelos deuses para que ele trilhasse para cumprir seu destino e “rebobinar” a Grande Roda do Karma do Universo.
Ele sentou-se na areia, dentro das ruínas de uma pequena casa de tijolos de barro e palha. Já passava daquilo que em seu tempo fora chamado de dez horas da noite, não que isso importasse qualquer pouco... não para ele, que poderia parar sempre que estivesse cansado e tivesse suprimentos que compensassem, nem para aquele maníaco sol que hoje, como fizera já outras vezes, não se deitara.
Continuava por vingança. E a necessidade de vingar-se estava tão arraigada nele, que já chegara a se perguntar em (in)um(eros) momento(s) o que faria depois de finalmente conseguira. Sua apatia com a vida era grande o suficiente para impedi-lo que se matasse, direta ou indiretamente. Mas o que ele, então provavelmente o último humano na Terra – tendo em vista que ele matara o “outro sobrevivente” – poderia fazer naquela inútil ruína atroz? E, ah, como ele tinha medo dessa pergunta e total horror da resposta mais fácil para ela: seguir, finalmente, para seu destino... se é que um dia ele conseguiu afastar-se dele.
Observando a pequena fogueira que fizera para assar o diminuto rato – e última proteína que tinha em seu suprimento – que teria para a ceia (essas palavras, já sem qualquer significado, sempre o faziam sorrir... aquele sorriso sem qualquer graça por trás, duro e seco, maduro e irônico demais, mas ainda assim espontâneo, se é que lhe sobrara qualquer sorriso que não precisasse de força para surgir), pensou em todas as chamas que lhe marcaram a vida que tivera há muito, muito tempo: o fogo na vala em que se assava o churrasco, a vez que machucara os dedos com um fósforo que deixara queimar até o fim, os fogos de artifício que o Bento fazia questão em toda troca de ano e em homenagem ao Homem Jesus, o fogão à lenha que esquentava a cozinha da estância durante todo o inverno, a própria estância como uma pira gigantesca quando o Império avançou...
Acendeu um palheiro. Remexeu em sua mala de garupa; precisava torná-la confortável para que fosse usada como travesseiro. Retirou dali, largando entre ele e a fogueira, um saco balas de revólver, um afiador, uma boleadeira e mais alguns outros objetos.
Tomou nas mãos um facão e observou o cabo, sua extensão recoberta por tiras de couro gastas pelo tempo e manuseio, e a marca em sua base. Depositou-o no chão e pegou um revólver, também marcado na base da coronha encrostada de ouro. Retirou-os das bainhas, e ambos reluziram em um estranho azul perolado à luz da fogueira, sem refletir o avermelhado do fogo.
O rato estava quase pronto. Procurou as trouxas de couro com os vegetais secos e salgados. A comida teria o tão conhecido gosto acridoce característico de legumes em iniciada decomposição, não que ele realmente se importasse. Ainda era capaz de lembrar do repolho azedo que, mesmo vindo de outra cultura, era comum em sua região. Retirou da cintura o facão – comum – e o roedor do fogo; levou o espeto à boca, mordeu o primeiro pedaço, cortando o pedaço com a faca, e mastigou firme. Pegou um pedaço de cenoura com a ponta do facão e levou a boca.
Intercalando carne e vegetais, comeu sem pressa. O sol ainda brilhava firme, mas finalmente afastando-se do centro do céu, quando ele deitou-se. O dia de amanhã será tão tedioso e idêntico ao de hoje, e caminhar seria tudo que faria. Talvez se aproximasse das montanhas para caçar, ou do mar e tentar a sorte numa “pescaria”. Talvez, se achasse água doce, mateasse solito por algum tempo. Talvez, se encontrasse uma vaca ou ovelha, fizesse um churrasco de verdade. Talvez... talvez...
… e a escuridão lhe envolveu, levando-o para longe de qualquer pensamento, para um sono frio e sem sonhos.

Um comentário:

  1. A vida do solitário que pelo deserto caminha, o sol esquentando a bainha e as mãos trêmulas de agonia.

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