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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Esquizofrenia - Capítulo 1 - Parte 2

Mesmo rangendo como uma velha senhora dolorida, a porta se deslocou com a leveza e elegância de uma jovem mulher. Era bastante pesada, mas abriu-se sem muita força, como se suas dobradiças estivessem em melhor estado que qualquer outra coisa ali.
O umbral dava para um corredor lateral que, até onde a fraca lâmpada acima da porta permitia enxergar, estava nas mesmas condições decrépitas que a sala. O chão estava coberto de cacos de azulejos que caíram das paredes, e dos canos expostos do teto pingavam o mesmo líquido escurecido que vazava do cano da pia.
Jonathan enfiou a cabeça para fora da sala, incerto do que poderia ver. A luz concedia pouco mais de 2 metros de visibilidade para cada lado, e só era possível ter certeza da parede do outro lado. Projetando o corpo um pouco mais para fora do umbral, foi capaz de ver, de cada lado do corredor, mais portas com lâmpadas. Suspirou, calculando que cada área iluminada estava separada da próxima por cerca de uns 5 metros de total escuridão.
Sabia desde o começo que não havia outra opção, então voltou ao quarto em busca de algo que pudesse protege-lo. Na idéia infantil de uma arma, só então percebeu que o cano da pia estava completamente solto, apenas escorado. Segurou o pedaço de ferro com as duas mãos e balançou-o como se fosse uma espécie de espada, sentindo-se preencher com uma segurança infundada.
Saiu do quarto e tomou o corredor para a esquerda. Avançou pela escuridão tateando a parede com a mão que segurava o diário, levando um pé à frente para primeiro reconhecer o terreno, o cano sacudindo à frente, ao lado e às costas como o rapaz pudesse ser atacado em qualquer momento. Quanto mais ele caminhava, mais a distância da luz parecia aumentar, mas, após o que pareceu uma eternidade, finalmente, adentrou na luminosidade, hesitando de euforia.
Com um misto de alegria e segurança, Jonathan viu um vulto se aproximar pelo lado oposto da luz. Correndo, a sombra tomou a forma de uma menininha de longos cabelos loiros em um vestidinho azul com uma espécie de avental branco. Havia algo nela que lhe era reconhecível, mas ele não conseguia pensar de onde. Ela era linda e fez crescer em Johnny um senso de responsabilidade para com ela, uma obrigatoriedade em protege-la, que lhe confortou e perturbou por não conseguir imaginar quem ela poderia sim. A menina, entretanto, não parecia feliz em vê-lo. Seu rosto transparecia um completo, concreto e terrível pavor, e ao vê-lo sua boca abriu-se em um pedido de ajuda que não pode proferir.
Com um som pesado e rápido algo brotou das sombras e acertou a menina por trás. A criança caiu para frente com o impacto, deixando à vista suas costas. A garganta de Jonathan embolou-se em um nó apertado, sufocante, ao ver o sangue que escorria do ferimento. Exatamente sobre a coluna vertebral dela havia um machado estranho, onde lâmina e cabo não se encaixavam, mas eram um, como se forjados como peça única, e a empunhadura, assim como quem o empunhava, desaparecia na escuridão líquida atrás.
A criança olhou-o com indescritível horror e mágoa em um último suspiro, então sua cabeça repousou nada delicadamente para o lado provocando um barulho oco. O machado foi puxado para cima, levantando junto o corpo imóvel, e sacudido para livrar a lâmina. Ao som úmido e triste causado pelo impacto do corpo com o chão, um rangido se fez ouvir.
Jonathan ouviu perfeitamente um leve baque e o ranger que se seguia, como se algo fosse usado como remo para algum tipo veículo com rodas. Também ouviu o som metálico quando o machado foi largado contra o chão e o arranhar que fazia ao ser arrastado. Petrificado, Johnny apenas olhava para a treva à sua frente e para o vulto que se descortinava ao se aproximar da luz.
Então um braço comprido e deformado rasgou a penumbra e firmou-se no chão com a mão deformada. O membro tinha uma pele que parecia ser extremamente fina, ou simplesmente não existir, permitindo se enxergar quase com perfeição absoluta veias, carnes, músculos, e era terminado em uma palma disforme com um único e longo polegar.
Conforme o ângulo de abertura do braço diminuía, Jonathan ouvia perfeitamente o rangido aumentar em sua direção. Seus nervos se contraíram, desviando seu olhar para onde surgiria milésimos depois uma face deformada. A adrenalina forçou o coração à pulsar dolorosamente rápido e obrigou o cérebro à mover todo aquele monte de carne e ossos que eram seu corpo para o lado oposto, e rápido.
Correndo desperadamente pelo meio do corredor, Johnny sequer lembrava de suas pré-estipuladas normas de segurança. Visando apenas o próximo foco de luz, atravessou pelo oásis em torno da entrada de seu quarto; e ouvindo, mesmo que cada passo mais distante, o ranger, testou as portas que se seguiram ao corredor, até uma finalmente abrir.
Entrou sem se preocupar com qualquer checagem, esquecendo-se do risco de haver qualquer coisa naquela sala, ou mesmo não haver nada. Virou-se rápido e fechou a porta, cuidando o máximo para não fazer qualquer barulho na esperança de despistar a coisa no corredor.
Tentando controlar a respiração, escorado contra a porta, olhou a sala que se abria à sua frente. Seu tamanho e estado desagradável era praticamente o mesmo do quarto em ele acordara. Havia uma porta dupla na parede oposta e uma mesinha de centro no meio do caminho.
Jonathan se aproximou da mesa, incerto e hesitante, olhando para trás como se esperasse a porta ser arrombada a qualquer momento. No tempo da mesa haviam três chaves um tanto incomuns; além de serem quase do tamanho de uma caneta, as extremidades que ficariam para fora das fechaduras eram compostas por bonecos do tórax para cima. Johnny pegou uma delas na mão, lembrando-se vagamente de uma escova do Batman que talvez tivera quando pequeno. Virou-se para a porta dupla, percebendo que cada lado possuía duas fechaduras e em baixo de cada fechadura havia uma palavra.
Baixou os olhos para a chave em sua mão, e estremeceu. Esquecendo-se da porta pela qual entrara, o rapaz então percebeu algo que o deixou realmente intrigado: duas das chaves tinham as mãos postas na frente do rosto, duas seguravam facas contra os pulsos; duas sorriam com os olhos revirados para cima, duas transpareciam uma dor terrível; duas tinham sangue nas mãos, duas choravam lágrimas de sangue. Todas as pequenas figuras possuíam vários pequenos orifícios por toda sua extensão.
Dispostas formando um quadrado, guardavam em seu meio um pedaço de papel dobrado. Largando delicadamente a chave de volta em seu lugar, fechando o quadrilátero com o extremo cuidado da infância, Jonathan pegou o papel e abriu-o.

Eu sou a tristeza e o desespero,
Mas a dor que me toma é do próximo o prazer
E o rubro que me escorre da dor incontrolável
Também escorre por aquele que não controla e provoca sua dor
De forma parecida que aquele que encontra o regozijo redentor

Somos problemas
E apenas nossa total solução é capaz
De o caminho para a verdade abrir

Johnny sentiu-se confuso ao ler aquilo. "De o caminho para a verdade abrir", pensou, levando o olhar até a porta. Abaixo de cada fechadura estava escrito "Fanatismo", "Masoquismo", "Compulsão" e "Depressão". Olhou de volta para o papel e para as chaves e teve certeza de que o enigma se referia à porta, explicando como abri-la. O problema é que ele não fazia idéia de como soluciona-lo.
Então pegou novamente uma das chaves na mão, se aproximou da porta. Tentou abri-la apenas para confirmar que estava realmente trancada, então inseriu a chave na primeira fechadura, a cima e à esquerda. Tentou gira-la para a esquerda, mas sentiu a chave trancar. Lentamente, girou-a para a direita e sentiu pontas finas e gélidas pressionarem levemente sua palma. Tirando a mão, observou que finíssimas agulhas saíam de todos os orifícios da escultura.
Girando a chave de volta para a esquerda, segurando-a com as pontas dos dedos, viu as setas serem recolhidas. Retirou a chave e tentou em todas as outras fechaduras, sempre com o mesmo resultado. Isso o fez sentir-se derrotado, já que haviam 4 fechaduras para serem abertas e uma das chaves não era de nenhuma delas.
Voltou à mesa e olhou para o enigma, e só nesse instante que uma simples palavra com um imenso significado lhe saltou aos olhos: "E apenas nossa total solução é capaz", pensou, "total. Preciso inserir todas as chaves para poder girá-las".
Olhou para a porta, calculando. Deveriam haver mais de vinte possibilidades, e da mesma forma que ele poderia acertar de primeira, poderia perder horas tentando já que possivelmente, após certo tempo, não conseguiria lembrar com certeza de todas as combinações já tentada e acabaria repetindo algumas, se não todas. Suspirou, temeroso, pensando que, de qualquer forma, o cansaço poderia resultar em descuido e qualquer descuido poderia resultar na perda de uma mão pela absurda quantidade de agulhas que saiam de cada uma das chaves.
Fixou seu olhar e seu pensamento no enigma, quando ouviu os sons nítidos de vidro sendo estilhaçado e de algo pesado batendo contra metal. Com um rangido alto e desesperado, a porta se abriu violentamente, batendo com um estrondo apavorante contra a parede. O machado sujo de sangue bateu firme no chão. A luz da sala escorreu para fora, revelando que a arma incomum não era segurada, mas fixada diretamente no antebraço da coisa do outro lado do umbral. Jonathan podia ver a pele estender-se até determinada altura do cabo em certos pontos.
Sua mente fora tomada pela adrenalina pela segunda vez, e ele teve de se controlar para não correr até a porta dupla e bater nela com as mãos implorando por ajuda. Seus batimentos cardíacos aumentaram consideravelmente, levando mais sangue para o cérebro, e Johnny tentou aproveitar isso como trunfo para solucionar o enigma.
Focou-se no papel. "Eu sou a tristeza e o desespero, mas a dor que me toma é o prazer do próximo". Olhou para as chaves. Haviam duas com expressão de dor em posições opostas entre si, mas idênticas à uma das outras duas com expressão de prazer. Posicionou as chaves, então, em duas fileiras de acordo com suas posições de mão.
(Viu o machado ser puxado para fora da sala...)
"O sangue que escorre de mim por dor que não controlo, escorre naquele que provoca dor sem controle". Pensou, mas não conseguiu encontrar qualquer forma de reposicionar as chaves. "O sangue escorre daquele que não consegue se controlar na posição que aquele que encontra o regozijo redentor". Suspirou, pensando o que nos bonecos poderia representar redenção, e espantou-se ao perceber que, com as mãos postas, a face demonstrando alegria e os olhos sangrando, uma das estatuazinhas parecia incrivelmente com a imagem de um santo. Puxando esta chave para baixo, voltou-se para o papel.
(...e a mão deformada buscar apoio no chão do recinto para puxar seu corpo desconhecido)
Repensou sua ultima frase, "o sangue escorre daquele que não se controla na posição daquele que reza", e pegou a outra estátua com as mãos postas. Esta tinha sangue nas mãos e a face contorcida de dor. Posicionou-a, então, em cima da ultima chave. Restava definir a posição das outras duas.
(Ouviu primeiro o rangido...)
"Minha dor é o prazer do próximo". Pegou a chave que mostrava alguém com as mãos sangrando e feliz por ter se cortado, e colocou-a em cima das outras duas. Então a ultima, que transparecia dor, mas sangrava pelos olhos, encabeçou a fila indiana.
(...e então o arrastar do machado)
Olhou para a porta, precisando definir o que cada uma delas representava. Para a fechadura do "Fanatismo", colocou a estatua em oração. Para "Masoquismo", inseriu a que se cortava e sorria. Em "Compulsão", pôs a estátua que fazia suas mãos sangrarem. E na fechadura da "Depressão", a chave do boneco que pensava em se matar.
Girou a primeira chave com calma, mas não sentiu nada se projetar dela. Ouviu a criatura se aproximar, derrubando a mesa ao esbarrar nela. Virou a segunda e a terceira ganhando confiança e esquecendo-se do cuidado. Podia sentir a presença dela quase em cima dele quando girou a ultima chave.
Jogou o corpo para o lado, escorando as costas contra a porta da direita. Saiu do caminho da lâmina que bateu com força no metal, escancarando as portas. Perdendo o equilíbrio, Jonathan cruzou seu olhar com o da coisa à sua frente. A face da criatura era deformada, mas havia qualquer coisa humana em seus olhos.
Johnny estava caindo para trás, caindo nas trevas. E de repente, estava simples e somente caindo no vazio, como se sua existência fosse apenas uma queda eterna e infundada. E antes que este pensamento pudesse cair, também, de sua mente, lhe concedeu certo conforto. Se não havia nada, nada poderia machucá-lo. E se nada poderia machucá-lo, então, talvez, estivesse em casa.

4 comentários:

  1. Tá aí a perseguição que eu esperava, né?! Haha Achei que o cara do machado fosse amigo do Johnny. Ele é o que afinal? Um monstro, vilão ou o que? Obs. Nem sob pressão eu conseguiria resolver aquele enigma das chaves. haha Tô adorando. Beijos!

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  2. Tá, mas não é a que vem depois da "enfermeira". Não esqueça que o "trecho" postado primeiro vem depois disso que tou postando agora.

    Outra, sobre o enigma. O problema é com o "poeminha", com a descrição das chaves, ou o que?

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  3. Não, o problema é que eu não seria esperta o bastante. Eu nao teria nem me tocado que o "poeminha" me ajudaria com as chaves. hahaha

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  4. HUahuahuahuahua
    Nah, que isso. Não se menospreze, amiga xD

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