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segunda-feira, 23 de julho de 2012

Os Barcos

"E você diz que tudo terminou, mas qualquer um pode ver: só terminou pra você". Tudo bem, eu sei; de fato nunca tivemos nada. Mas realmente nunca fomos nada um para o outro? Nunca significamos nada? Não fizemos diferença na vida um do outro? Absolutamente nenhuma?
E eu sei bem que a gente só lembra do que nunca aconteceu. Por isso eu lembro de tanta coisa? Nós não vivemos nada, é por isso que eu lembro de ti? São apenas conversas que nunca tivemos? Noites em claro que nunca passamos? Juras nunca proferidas? Promessas de vida que nunca, se quer, sonharam em nascer?
Pô! Em que mundo insensível tu vive? Que descrença, que desamor é esse? Às vezes eu queria que tu olhasse nos meus olhos e me dissesse que nunca foi nada. Às vezes tudo que eu quero é ver a indiferença nos teus olhos, a inexistência de tudo que eu acho que nos existiu. Às vezes eu quero ter a certeza de que tu nunca pensou em mim, no escuro, com outro. Às vezes, tudo que eu queria era nunca ter te conhecido. Nunca ter cruzado com teus olhos baixos e tua maquiagem gótica, teu instinto suicida, tua submissão sexual e tua ingenuidade afetiva.
Não quero mais saber tanto sobre ti! Não me interessa mais tua mãe ter atrasado um ano da tua entrada na escola, querendo que tu acompanhasse teu irmão. Não me interessa sobre tua lista imensa de namorados mais velhos, nem sobre o fato de tu tê-los repudiados por vezes e, no fim, ficado com eles. Não me interessa a vida dupla que tu viveu. Não me interessa se tu acha sexy ficar só de saia, nem sobre o que tu faz sem vontade só pra ver a "nossa" cara.
Eu te disse já, e continuo dizendo: tu é nojenta, asquerosa e burra! E eu, um estúpido, ciumento, apaixonado, que só queria que cada coisa que tu me contou acontecesse entre nós dois. Porque, me diz, porque?, tu não podia ter ficado no teu mundinho, isolada da realidade, sofrendo da tua depressão e cortando teus pulsos? Porque tinha que ter cruzado teu caminho com o meu?, te aproximado, me procurado, me buscado, me levado para tua inexistência de treva, desgosto e desilusão? Porque me aceitaste de volta só para me dar mais uma prova do teu universo?, porque nem com a distância do raio do mundo nos separando, tua influencia me foi forte a ponto de eu te buscar, te procurar, te encontrar, e me perder, me foder novamente nos braços do inferno da tua essência que não me permite viver, existir ou ao menos empurrar com a barriga um dia de cada vez sem pensar por um segundo ao menos em ti.
Eu vivo assim, como um zumbi procurando momentos de afeto quiméricos que não existem sem ti... quem não existem sem a imagem, tão utópica quanto, que fiz de ti. Te imagino para mim: os cabelos negros sedosos contra meu rosto; o cheiro tão próprio teu, extraído diretamente do teu pescoço; o toque quente da tua boca contra minha têmpora; a pressão dos teus braços, das tuas mãos, contra minhas costelas, minhas costas.
Foi assim que eu vi o amor, e ainda o vejo. Não era, e ainda não é de verdade. Mas foi bom, sempre. E foi horrível. Foi feliz, e doloroso. Foi os dois extremos de tudo. Agora não é mais. É apenas um lado. O ruim. O medo, a incerteza, a insegurança, a vontade inalcançável, o sonho irrealizável. E a vontade absurda de morrer para não sentir mais esse músculo inútil pulsando sem que tu possa sentir, sem que tu possa ouvir, já que ele pulsa por ti, mas nunca para ti. A vontade imensa de morrer para que essa gosma aquosa não mais veja a tua imagem toda vez que fecho os olhos, para que não mais crie sonhos contigo enquanto durmo, para que não me traga lembranças da tua voz e do teu sorriso.
Mas o que eu vejo não existe, o que eu quero não existe, o que eu lembro não existiu. O mundo que eu criei é resultado de uma esquizofrenia, uma doença mental que me consome e desfaz a minha saúde física, uma doença cardíaca que me destrói, me desfaz, me rasga por dentro em picos de falsa adrenalina e falsa endorfina, que me dói, que sangra e me comprime contra uma realidade que só magoa por não ser a realidade que eu quero. Ou apenas por ser, de fato, realidade.

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