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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Quarto Andar - Lado B

Este conto é, de certa forma, "baseado" no conto Quarto Andar. O que gera duas vias: a) é um conto totalmente a parte, apenas com a mesma abordagem; ou b) é um complemento para um "buraco", uma melhor explicação para a história que poderia parecer incompleto ou vago por causa do salto no tempo corrente do conto. Na primeira hipótese, nada muda. Na segunda, temos duas vias à seguir: b.a) o personagem cara é um personagem que não aparece no primeiro conto; b.b) o personagem ele do primeiro conto é, na primeira parte, o cara desta história, e na segunda - depois do desaparecimento, o que briga na escada - é o ele desta história. Nesta primeira hipótese, nada muda. Na segunda... bom... talvez a perspectiva do primeiro conto mude totalmente...
Eu não me decidi. E tu, depois que leres os dois, por quais opções optarias?

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“Tirei o chapéu pra ti, cara! Bah, tirei mesmo o chapéu pra ti!”
Quem poderia imaginar que isso seria uma ameaça?
O problema é que foi...
Ele trabalhava em um setor, mas era apaixonado por uma guria que trabalhava em outro. Constantemente enviava bilhetinhos pelos colegas dela, dos quais ela nunca respondeu nem um. Tentou todo o tipo de aproximação, mas ela sempre lhe afastou: nunca quis sair para beber, sempre fora ríspida em todas as respostas dadas. Até atravessar a rua quando viu que eles se cruzariam na calçada, ela atravessou.
Por outro lado, o cara em questão se aproximou muito dela. Andavam de um lado para o outro sempre aos cochichos e sorrisos. Ele, assim como todos nós, entendeu que os dois estavam de flerte.
O engraçado é que aquilo seria totalmente – ou nem tanto assim – impossível. O cara era gay, mas ninguém sabia. Por toda a vida, o cara escondeu ao máximo de sua capacidade: como todo o segredo, este fez pressão até ser revelado. Ele e ela eram amigos – realmente mais que colegas – e logo a confiança e a intimidade necessárias para que ele contasse se fizeram.
Logo, estavam de conversinhas pelos cantos, falando sobre os meninos dos outros setores. Por algum motivo, existia aquele estranho “pudor” em falar sobre nós, do setor deles. Mas andavam sempre juntos, durante o tempo todo, falando sobre assuntos ditos femininos, com ele sempre desejando muito mais que fazendo. O problema, o que gerava confusão, era a infeliz mania de esconder quem ele era, de agir sempre como o machão, o comedor.
Um dia, ele teve a certeza que todos nós, sem exceção, tínhamos – a certeza errada que tínhamos. A raiva lhe tomou a face, vermelha como se o sangue fervesse desde o estômago até o cérebro. A frase que proferiu, fria e totalmente calculada, me causou calafrios que ainda hoje sou capaz de sentir... mas que foi totalmente ignorada por ela... e pelo cara.
Dois dias passaram em uma calmaria estranha. Tenho certeza que meus demais colegas que ouviram aquela “saudação” também estavam esperando pelo pior, assim como eu. A questão é que esperávamos que ele quisesse briga, desse uns tapas no cara, ou qualquer coisa assim. O que aconteceu foi pior. Sangrentamente pior. Um belo dia, nenhum dos dois veio trabalhar. Na verdade, nenhum dos três.
A mente do cara despertou de uma única vez; em um momento, vagava pelo limbo da inconsciência, no outro, estava totalmente alerta. Por outro lado, seu corpo parecia não responder à nada. Demorou o que pareceu uma infinidade para perceber que estava vendado e tão bem amarrado à uma cadeira que não era capaz nem mesmo de dar de ombros. Com as mãos presas as costas, logo percebeu que seu acento estava grudado ao chão e até mesmo seus pés estavam presos. Havia panos em sua boca, tão fundo em sua garganta que abafavam qualquer grunhido. Era como estar enterrado vivo, mas em um caixão de proporções relativamente amplas e desconhecidas. Apenas sua respiração demonstrou que estava acordado.
Só percebeu que estava com os ouvidos tampados quando sentiu os imensos e macios protetores de orelhas e, depois, os protetores auriculares serem retirados. Sentiu uma respiração ofegante em sua nuca, contra seus cabelos e um bafo quente em sua orelha quando ouviu uma voz rouca lhe dizer que agora sim eles poderiam continuar.
Fora desvendado, e seu olhar recaiu justo onde ela estava. Amarrada e amordaçada, jogada despretensiosamente em um colchão nu, seus olhos revelavam medo. Ele entrou em seu campo de visão, repetindo incessantemente que agora sim eles poderiam começar. E apenas isso deu certeza de que nenhum mal – pior que ser sequestrada e amarrada – acontecera a ela. Até aquele momento.
Ele ria histérico enquanto desamarrava as mãos dela e as amarrava novamente nas pontas do colchão, e depois com as pernas. Ela lutara com todas as forças, mas ele gargalhava alto e rápido a cada tapa ou arranhão, mas nada parecia surtir qualquer efeito. Logo, ela estava novamente presa, braços e pernas abertas.
Parado entre ela e o cara, ele começa a cantarolar uma música qualquer, intercalando com sua risada insana, e a balançar o corpo para os lados. Em movimentos hesitantes, ele retira toda a roupa numa imitação do que deveria ter sido um strip sensual. Do bolso da calça, antes de abrí-la, tirou um canivete. Com ele, já nu, aproximou-se dela e lhe cortou a roupa.
Ambos nus, o cara, incapaz de desviar o olhar, aperta os olhos. Tenta se concentrar no secume de sua boca, esforçando-se para não ouvir os sons asquerosos que aquele estupro produziria. Fez o que pode, mas não há como se desprender totalmente do mundo físico por mero esforço consciente.
O ato durou mil anos ou mais, os rangidos das molas já gravados eternamente na alma de quem os ouvisse. Ou, logo ele estava à sua frente, rindo. “Eu fiz, viu? Com a minha namorada! Tu não vai roubar ela de mim! Nunca-nunca!”, e gargalhou. Ela chorava por medo, asco e dor; o cara, por pura impotência.
- Tu não viu, né?! – ele mostra o canivete – Pois não devia ter fechado os olhos!
As risadas param, mas a insanidade permanece no sorriso e no olhar dele. O cara chora suas ultimas lágrimas transparentes antes de nunca mais fechar as pálpebras.

2 comentários:

  1. Estúpido, doentil e engraçado.
    Parabéns!

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  2. Foi muito bem construído, mas infelizmente tu sabes que eu não gosto desta linguagem que tu teimas em utilizar, fica um pouco agressivo às vozes da minha mente..., mas não posso e nem vou desmerecer todo teu talento...

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