Este conto é, de certa forma, "baseado" no conto Quarto Andar. O que gera duas vias: a) é um conto totalmente a parte, apenas com a mesma abordagem; ou b) é um complemento para um "buraco", uma melhor explicação para a história que poderia parecer incompleto ou vago por causa do salto no tempo corrente do conto. Na primeira hipótese, nada muda. Na segunda, temos duas vias à seguir: b.a) o personagem cara é um personagem que não aparece no primeiro conto; b.b) o personagem ele do primeiro conto é, na primeira parte, o cara desta história, e na segunda - depois do desaparecimento, o que briga na escada - é o ele desta história. Nesta primeira hipótese, nada muda. Na segunda... bom... talvez a perspectiva do primeiro conto mude totalmente...
Eu não me decidi. E tu, depois que leres os dois, por quais opções optarias?
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“Tirei o chapéu pra ti, cara! Bah, tirei mesmo o
chapéu pra ti!”
Quem poderia imaginar que isso seria uma ameaça?
O problema é que foi...
Ele trabalhava em um setor, mas era apaixonado por uma
guria que trabalhava em outro. Constantemente enviava bilhetinhos
pelos colegas dela, dos quais ela nunca respondeu nem um. Tentou todo
o tipo de aproximação, mas ela sempre lhe afastou: nunca quis sair
para beber, sempre fora ríspida em todas as respostas dadas. Até
atravessar a rua quando viu que eles se cruzariam na calçada, ela
atravessou.
Por outro lado, o cara
em questão se aproximou muito dela. Andavam de um lado para o outro
sempre aos cochichos e sorrisos. Ele,
assim como todos nós, entendeu que os dois estavam de flerte.
O engraçado é que
aquilo seria totalmente – ou nem tanto assim – impossível. O
cara
era gay, mas ninguém sabia. Por toda a vida, o cara
escondeu ao máximo de sua capacidade: como todo o segredo, este fez
pressão até ser revelado. Ele e ela eram amigos – realmente mais
que colegas – e logo a confiança e a intimidade necessárias para
que ele contasse se fizeram.
Logo, estavam de conversinhas pelos cantos, falando
sobre os meninos dos outros setores. Por algum motivo, existia aquele
estranho “pudor” em falar sobre nós, do setor deles. Mas andavam
sempre juntos, durante o tempo todo, falando sobre assuntos ditos
femininos, com ele sempre desejando muito mais que fazendo. O
problema, o que gerava confusão, era a infeliz mania de esconder
quem ele era, de agir sempre como o machão, o comedor.
Um dia, ele
teve a certeza que todos nós, sem exceção, tínhamos – a certeza
errada
que tínhamos. A raiva lhe tomou a face, vermelha como se o sangue
fervesse desde o estômago até o cérebro. A frase que proferiu,
fria e totalmente calculada, me causou calafrios que ainda hoje sou
capaz de sentir... mas que foi totalmente ignorada por ela... e pelo
cara.
Dois
dias passaram em uma calmaria estranha. Tenho certeza que meus demais
colegas que ouviram aquela “saudação” também estavam esperando
pelo pior, assim como eu. A questão é que esperávamos que ele
quisesse briga, desse uns tapas no cara,
ou qualquer coisa assim. O que aconteceu foi pior. Sangrentamente
pior. Um belo dia, nenhum dos dois veio trabalhar. Na verdade, nenhum
dos três.
A
mente do cara
despertou de uma única vez; em um momento, vagava pelo limbo da
inconsciência, no outro, estava totalmente alerta. Por outro lado,
seu corpo parecia não responder à nada. Demorou o que pareceu uma
infinidade para perceber que estava vendado e tão bem amarrado à
uma cadeira que não era capaz nem mesmo de dar de ombros. Com as
mãos presas as costas, logo percebeu que seu acento estava grudado
ao chão e até mesmo seus pés estavam presos. Havia panos em sua
boca, tão fundo em sua garganta que abafavam qualquer grunhido. Era
como estar enterrado vivo, mas em um caixão de proporções
relativamente amplas e desconhecidas. Apenas sua respiração
demonstrou que estava acordado.
Só percebeu que estava com os ouvidos tampados quando
sentiu os imensos e macios protetores de orelhas e, depois, os
protetores auriculares serem retirados. Sentiu uma respiração
ofegante em sua nuca, contra seus cabelos e um bafo quente em sua
orelha quando ouviu uma voz rouca lhe dizer que agora sim eles
poderiam continuar.
Fora
desvendado, e seu olhar recaiu justo onde ela estava. Amarrada e
amordaçada, jogada despretensiosamente em um colchão nu, seus olhos
revelavam medo. Ele
entrou em seu campo de visão, repetindo incessantemente que agora
sim eles poderiam começar. E apenas isso deu certeza de que nenhum
mal – pior que ser sequestrada e amarrada – acontecera a ela. Até
aquele momento.
Ele
ria histérico enquanto desamarrava as mãos dela e as amarrava
novamente nas pontas do colchão, e depois com as pernas. Ela lutara
com todas as forças, mas ele gargalhava alto e rápido a cada tapa
ou arranhão, mas nada parecia surtir qualquer efeito. Logo, ela
estava novamente presa, braços e pernas abertas.
Parado
entre ela e o cara,
ele
começa a cantarolar uma música qualquer, intercalando com sua
risada insana, e a balançar o corpo para os lados. Em movimentos
hesitantes, ele retira toda a roupa numa imitação do que deveria
ter sido um strip
sensual. Do bolso da calça, antes de abrí-la, tirou um canivete.
Com ele, já nu, aproximou-se dela e lhe cortou a roupa.
Ambos
nus, o cara,
incapaz de desviar o olhar, aperta os olhos. Tenta se concentrar no
secume de sua boca, esforçando-se para não ouvir os sons asquerosos
que aquele estupro produziria. Fez o que pode, mas não há como se
desprender totalmente do mundo físico por mero esforço consciente.
O
ato durou mil anos ou mais, os rangidos das molas já gravados
eternamente na alma de quem os ouvisse. Ou, logo ele
estava à sua frente, rindo. “Eu fiz, viu? Com a minha
namorada! Tu não vai roubar ela de mim! Nunca-nunca!”, e
gargalhou. Ela chorava por medo, asco e dor; o cara,
por pura impotência.
- Tu
não viu, né?! – ele
mostra o canivete – Pois não devia ter fechado os olhos!
As
risadas param, mas a insanidade permanece no sorriso e no olhar dele.
O cara
chora suas ultimas lágrimas transparentes antes de nunca mais fechar
as pálpebras.
Estúpido, doentil e engraçado.
ResponderExcluirParabéns!
Foi muito bem construído, mas infelizmente tu sabes que eu não gosto desta linguagem que tu teimas em utilizar, fica um pouco agressivo às vozes da minha mente..., mas não posso e nem vou desmerecer todo teu talento...
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