Roland ouviu um
guincho. Seu consciente sonolento tentou criar um sonho em torno do
barulho, mas seu inconsciente identificou-o como um alerta...
Encontrei algo!.
Mentalmente, o gaucho
acordara e levantara em um único salto. Fisicamente, ele continuava
deitado, os olhos fechados (treinados para as pálpebras não
tremerem, como costumam tremer enquanto estamos acordados) e a
respiração leve.
Os passos não emitiam nenhum som: eram macios demais,
totalmente abafados pela areia imóvel dentro da tapera. Entretanto,
Roland sentia os movimentos e a respiração da criatura; ela evitava
se aproximar do corpo, mas vasculhava com mãos leves, verificando
todos os pertences do homem.
Houve um segundo
guincho, de longe. O que foi?.
A criatura junto do gaucho
respondeu. Venham logo!.
Com dois gritos. Venham ver!.
Todas as guinchadas lembraram muito ao homem o som de roedores, mas
aquilo era impossível, já que...
Um segundo entrou e
soltou aquele mesmo gritinho que despertou Roland. Era preciso
esperar até o último momento. Ele tinha uma cicatriz feia na mão,
do indicador até o dedo médio, para lhe lembrar desta pequena
regra. Era preciso esperar que todos que tivessem de entrar entrassem
e que a emboscada fosse armada por eles
para que ele
pudesse desarmá-la.
Os dois pareciam juntar as coisas de Roland no centro da
tapera quando um terceiro, e último, apareceu. O guincho, dessa vez,
mesmo muito excitado, não era de chamado, mas de espanto. Faltava
pouco, agora...
Os três reuniram-se em
torno do gaucho,
guinchando baixo. Certamente discutiam se deviam ou não mexer na
mala de garupa usada como travesseiro, pois, com muito cuidado, um
deles pegou a cabeça de Roland, enquanto os outros levavam as mãos
à bolsa.
O homem ergueu a cabeça no exato momento em que a
criatura foi levantar sua cabeça, surpreendendo-os e impedindo
qualquer reação. Com o mesmo impulso, jogou o corpo para frente e
rolou sobre si, os olhos mirando e as mãos avançando para o facão,
ainda não anexado ao monte. Logo estava em pé, armado, de frente
à... três ratos??? Não! Roland não conseguia acreditar que...
Numa reação
totalmente humana, os três ergueram as patas dianteiras, apoiados
apenas nas traseiras, mostrando que estavam totalmente desarmados. O
gaucho
avançou dois passos, urrando, os braços abertos, a mão livre
erguida, o corpo vergando ameaçadoramente contra os enormes ratos,
muito maiores que o que comera na ultima noite. A adrenalina fazia o
sangue pulsar forte demais nas têmporas para que ele pensassem em
caçar. Esperava assustá-los e fazê-los fugir.
Bom, os ratos fugiram... mas não sem antes jogar, com
os rabos, arreia em seus olhos. Desviaram por entre suas pernas e
pegaram o que puderam com as bocas e caudas do que fora amontoado,
enquanto Roland levava as mãos ao rosto, tentando limpar a vista.
O último deles tropeçara no morrinho de objetos, e não
havia nem passado da porta quando Roland se virou, os olhos vermelhos
e lacrimejando. Correra o máximo que conseguiu, mas pouco havia
avançado quando sentiu as mãos do homem lhe levantando do chão.
Guinchou por ajuda para os irmãos que se afastavam... e que não
voltaram. Se tivesse sorte, eles voltariam para salvá-lo, talvez com
o bando todo. Por ora, precisava contar com a bondade de seu
“raptor”.
Roland levantou-o até a altura dos olhos, os braços
esticados para evitar um possível ataque, depois de sacudí-lo e
garantir que havia soltado tudo que tinha na boca e na cauda. Virou-o
com ódio, para encará-lo de frente, não sabia bem porque. Mas se
arrependeu de tê-lo feito.
O rato tinha lágrimas nos olhos, e o homem foi
acompanhando-a rolar pelo focinho que diminuía. Os pelos foram
caindo, o rabo encolhendo e as as patas aumentando. Dolorosamente,
para quem olhava, os membros se realojaram com um estalo para os
lados do tórax e da bacia, enquanto as costas se alongavam.
Se Roland capturara um rato grande, em pouco tempo, o
que tinha nas mãos era uma criança de, aproximadamente, nove anos.
Ratos? O que farão os ratos?
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