Rômulo correu pelos corredores. Fazia uma vaga ideia do
que deveria fazer. Em sua mente, o pedido de Freeman ecoava: tirar
Jonathan Blake do hospital, fazê-lo lembrar-se do livro, e levar
ambos para longe de Valence.
O quarto de Jonathan ficava no quarto andar. Mesmo por
elevador, seria impossível chegar ao quarto dele antes da medicação.
O que o homem não conseguia entender é como não fora acompanhando
os enfermeiros até o quarto. Era uma de suas obrigações, e fora
por ela que o velho o chamara para aquele pedido; assim como Nia, a
enfermeira principal daquele corredor.
Eles haviam combinado que Rômulo distrairia, de uma
forma ou de outra, o grupo, para que Jonathan fugisse. Nia o
encontraria e o levaria para fora do hospital. Eles ficariam
escondidos até Rômulo se liberar da confusão (ou fugir, se fosse
preciso) e ir buscá-los. Em sua casa, já estavam separados os
suprimentos todos que precisariam para a viagem, todos devidamente
guardados no porta-malas de seu quarto. Nia já havia, inclusive,
levado uma mada com suas roupas e outra com as de Jonathan. O
segurança sempre acho muito estranho a maneira carinhosa da
enfermeira com o paciente. Para o homem, aquele rapaz não passava de
um débil mental qualquer que não possuía qualquer atributo capaz
de despertar o amor de uma mulher; mas ele não estava ali para
julgar ninguém, apenas para cumprir um pedido de alguém que lhe
fora tão importante.
Merda! O elevador não funcionava. Em frente às portas,
Rômulo insistia apertando os botões, mas nada acontecia: nenhuma
luz, nenhum barulho. Foi quando se deu conta do mais óbvio: o
hospital inteiro estava sem energia, usando geradores para não
desligar as máquinas dos pacientes e permitir que os funcionários
transitassem pelos corredores. Era estranho que um hospital tão
grande tivessem baterias tão fracas, e Rômulo não acreditava nas
palavras de Landau sobre a reforma em toda a fiação e a futura
instalação, assim que a reforma fosse concluída, de mais
geradores. Para o segurança, aquilo era desvio de dinheiro...
Sobravam apenas as escadas. Rômulo atravessou o mais
rápido que seu corpo envelhecendo lhe permitia. Já não era mais o
jovem que começara a carreira naquele mesmo hospital, mas ainda
assim não demonstrava fisicamente a idade que tinha.
Uma quadra. Era como chamavam os blocos de quartos e
salas. Faltava apenas uma quadra, quando Rômulo avistou uma sombra.
Parou de correr, controlou a respiração o melhor que pode, e se
aproximou. Ele não era de falar, cumprimentava apenas com a cabeça
os demais funcionários: pensou em dizer oi, mas tornaria aquilo tudo
muito suspeito. Apenas continuou caminhando.
A pessoa à sua frente estava com a cabeça abaixada, os
o ombros quase curvados. Rômulo quase colou na parede e continuou
andando. Virou o rosto: perguntar se estava tudo bem poderia resultar
em uma resposta que o faria se atrasar mais. Preferiu fingir que não
viu.
Alcançou o primeiro degrau da escada, virado totalmente
de costas para a pessoa, que não o importunou. Seu pé se deslocava
para o segundo, quando sua mão foi agarrada. Por instinto, puxou o
braço, que não se soltou do aperto, e olhou para trás.
A criatura atrás de si não estava com a cabeça
abaixada. Não havia cabeça nenhuma, apenas um cotoco de pescoço. O
corpo era magro, como se a pele estivesse toda grudada nos ossos,
permitindo o abdômen retraído quase o suficiente para revelar a
coluna. E justamente no abdômen havia, na altura do estômago, uma
boca escancarada, com dentes perfeitamente alinhados e uma língua
que lambia convulsivamente os lábios. Daquela coisa vinha o som de
um gemido vazio que lembrava um estômago roncando, reagindo à fome.
Por instinto, Rômulo girou o restante do corpo,
acertando a criatura com o solado de suas botas. “Um chute na boca
do estômago”, sua mente em terror conseguiu pensar. Seria uma
piada em qualquer situação menos aterradora, mas serviu apenas para
deixar o segurança mais apavorado. Seu corpo estremeceu num
calafrio, e o segurança subiu o restante das escadas à passos
largos, pulando de quatro em quatro degraus, numa necessidade
irracional de fugir.
Era impossível, tudo aquilo era impossível. Sua mente
atordoada pelo medo tentava processar e aceitar a criatura. Pisou no
primeiro pavimento, ou segundo andar. Foi quando ouviu vozes de
criança. “William louco. Matou a mãe com um machado como um
tronco oco. William louco. Com as mãos sujas, de alegria, gritava
rouco.” Sobressaltou-se, as lembranças do sonho vindo em jorros,
fazendo-o perder o equilíbrio. De alguma forma, manteve-se em pé,
continuou correndo. As vozes se aproximaram, vinham de um corredor à
direita.
Rômulo dobrou o primeiro à esquerda. Não lhe passou
pela cabeça que poderia ter continuado subindo as escadas.
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