"E
você diz que tudo terminou, mas qualquer um pode ver: só terminou
pra você". Tudo bem, eu sei; de fato nunca tivemos nada. Mas
realmente nunca fomos nada um para o outro? Nunca significamos nada?
Não fizemos diferença na vida um do outro? Absolutamente nenhuma?
E
eu sei bem que a gente só lembra do que nunca aconteceu. Por isso eu
lembro de tanta coisa? Nós não vivemos nada, é por isso que eu
lembro de ti? São apenas conversas que nunca tivemos? Noites em
claro que nunca passamos? Juras nunca proferidas? Promessas de vida
que nunca, se quer, sonharam em nascer?
Pô!
Em que mundo insensível tu vive? Que descrença, que desamor é
esse? Às vezes eu queria que tu olhasse nos meus olhos e me dissesse
que nunca foi nada. Às vezes tudo que eu quero é ver a indiferença
nos teus olhos, a inexistência de tudo que eu acho que nos existiu.
Às vezes eu quero ter a certeza de que tu nunca pensou em mim, no
escuro, com outro. Às vezes, tudo que eu queria era nunca ter te
conhecido. Nunca ter cruzado com teus olhos baixos e tua maquiagem
gótica, teu instinto suicida, tua submissão sexual e tua
ingenuidade afetiva.
Não
quero mais saber tanto sobre ti! Não me interessa mais tua mãe ter
atrasado um ano da tua entrada na escola, querendo que tu
acompanhasse teu irmão. Não me interessa sobre tua lista imensa de
namorados mais velhos, nem sobre o fato de tu tê-los repudiados por
vezes e, no fim, ficado com eles. Não me interessa a vida dupla que
tu viveu. Não me interessa se tu acha sexy ficar só de saia, nem
sobre o que tu faz sem vontade só pra ver a "nossa" cara.
Eu
te disse já, e continuo dizendo: tu é nojenta, asquerosa e burra! E
eu, um estúpido, ciumento, apaixonado, que só queria que cada coisa
que tu me contou acontecesse entre nós dois. Porque, me diz,
porque?, tu não podia ter ficado no teu mundinho, isolada da
realidade, sofrendo da tua depressão e cortando teus pulsos? Porque
tinha que ter cruzado teu caminho com o meu?, te aproximado, me
procurado, me buscado, me levado para tua inexistência de treva,
desgosto e desilusão? Porque me aceitaste de volta só para me dar
mais uma prova do teu universo?, porque nem com a distância do raio
do mundo nos separando, tua influencia me foi forte a ponto de eu te
buscar, te procurar, te encontrar, e me perder, me foder novamente
nos braços do inferno da tua essência que não me permite viver,
existir ou ao menos empurrar com a barriga um dia de cada vez sem
pensar por um segundo ao menos em ti.
Eu
vivo assim, como um zumbi procurando momentos de afeto quiméricos
que não existem sem ti... quem não existem sem a imagem, tão
utópica quanto, que fiz de ti. Te imagino para mim: os cabelos
negros sedosos contra meu rosto; o cheiro tão próprio teu, extraído
diretamente do teu pescoço; o toque quente da tua boca contra minha
têmpora; a pressão dos teus braços, das tuas mãos, contra minhas
costelas, minhas costas.
Foi
assim que eu vi o amor, e ainda o vejo. Não era, e ainda não é de
verdade. Mas foi bom, sempre. E foi horrível. Foi feliz, e doloroso.
Foi os dois extremos de tudo. Agora não é mais. É apenas um lado.
O ruim. O medo, a incerteza, a insegurança, a vontade inalcançável,
o sonho irrealizável. E a vontade absurda de morrer para não sentir
mais esse músculo inútil pulsando sem que tu possa sentir, sem que
tu possa ouvir, já que ele pulsa por ti, mas nunca para ti. A
vontade imensa de morrer para que essa gosma aquosa não mais veja a
tua imagem toda vez que fecho os olhos, para que não mais crie
sonhos contigo enquanto durmo, para que não me traga lembranças da
tua voz e do teu sorriso.
Mas
o que eu vejo não existe, o que eu quero não existe, o que eu
lembro não existiu. O mundo que eu criei é resultado de uma
esquizofrenia, uma doença mental que me consome e desfaz a minha
saúde física, uma doença cardíaca que me destrói, me desfaz, me
rasga por dentro em picos de falsa adrenalina e falsa endorfina, que
me dói, que sangra e me comprime contra uma realidade que só magoa
por não ser a realidade que eu quero. Ou apenas por ser, de fato,
realidade.
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