Estou a dias querendo escrever alguma coisa e não
consigo achar um tema. Inicio, vai uma frase, no máximo um
parágrafo, e morre ali. Até que, agora a pouco, em conversa com uma
grande escritora amiga minha (Pâmela Filipini, se não conhecer,
trate de conhecer. Agora!), lhe disse isso... E fiz a besteira de lhe
pedir um desafio. “Escreva sobre a Alienação no Brasil”, me
disse ela, “sempre quis ler algo assim escrito por você”,
justificou. E, como cereja do bolo, a frase vinha acompanhada com a
digníssima carinha “:3”.
O engraçado é que ela não sabe quanta vontade de escrever sobre
isso eu estou desde a época dos protestos.
Bom, desafio lançado.
E para cumpri-lo com perfeição, questionei-a sobre alguns focos em
específico. “Mídia”, ela me respondeu. Eu fiquei ponderando
sobre aquilo durante alguns minutos. Por algum motivo, eu comecei a
me questionar: o que é mídia? Seria apenas o jornal da noite, a
novela e o programa de auditório? O futebol de quarta? Não, porque,
na faculdade, quando se fala em mídias, o professor entra com um
computador de 1985, abre o navegador que leva 20 minutos para abrir
um site,
e nos joga páginas da web
que (na cabeça dele) poderíamos usar em sala de aula. Ou nos joga
um filme inteiro que nem nós, alunos da graduação, conseguimos
entendê-lo bem.
De qualquer forma, estive ponderando sobre isso,
procurando uma linha de raciocínio. Segundo o dicionário online
Michaellis, mídia é:
sf
(ingl
mass media)
Propag
1
Veículo
ou meio de divulgação da ação publicitária. 2
Seção
ou departamento de uma agência de propaganda, que faz as
recomendações, estudos, distribuições de anúncios e contato com
os veículos (jornais, revistas, rádio, televisão etc.). 3
Numa
agência de propaganda, pessoa encarregada da ligação com os
veículos e da compra de espaço (eventualmente de tempo) para
inserção ou transmissão de anúncios. 4
Inform
Qualquer
material físico que pode ser usado para armazenar dados. Os
computadores podem utilizar uma variedade de mídias, como discos,
fitas ou CD-ROM. Sin:
meio.
M.
Eletrônica:
a
televisão, quando considerada como veículo de comunicação. M.
Impressa: os
jornais e revistas, quando considerados como veículos de
comunicação.
Sendo mídia toda
sorte de informação – visto que é propaganda, meio de
comunicação e “materiais físicos que armazenam dados de
computador” –, passei a ponderar sobre o que é alienação.
Marx, quando cunhou o conceito de “alienação”, certamente não
falava em política. Ele dizia que as fábricas alienavam os
trabalhadores, visto que, separados em setores, faziam apenas parte
do processo e desconheciam o processo todo e, muitas vezes, até
mesmo, o produto final. Agora tu joga para cima do pobre “Karlinhos”
uns dois séculos de distorções, e tudo é alienação. Mas, será
verdade? Será que tudo que nós chamamos de alienação, é
realmente alienação? Até que ponto a mídia nos impede de ver o
processo todo, e de que processo estamos falando?
Antes que um
marxista bitolado e bagaceiro me jogue uma pedra, eu já digo: o
humano é indissociável da política. A ponto de que uma conversa de
bêbados no bar é um ato político. O problema é que as pessoas
entende como política o choque de ideologias partidárias. Sim,
partidárias. Marx nunca criou um partido, não era comunista (ele
foi pago para escrever o Manifesto, e enalteceu posições das quais
discordava) e nem seria marxista se estivesse vivo. Desta forma, ele
não diria que um “pequeno burguês” é um alienado, ou mesmo um
agente alienador. Nem chamaria de alienado qualquer pessoa que não
seja de um partido de esquerda. Bom, talvez seja por isso que se
vende
camisetas do Che Guevara, e não do Karl Marx...
Mas, voltemos à
minha linha de raciocínio. A relação entre a alienação do povo
brasileiro e a mídia brasileira. À grosso modo, diria que a mídia
brasileira não aliena o povo, o povo que se auto-aliena. Parece uma
teoria um tanto quanto estranha, mas tem mais sentido que a
justificativa de “a Globo manipula as mentes”.
O povo brasileiro é
um grande reclamão. Reclama de tudo, o tempo todo. Mas não “luta”.
Aos olhos dos pseudo-politizados, isso demonstra alienação, por não
procurarem mudar. Entretanto, o povo é desinteressado. Incluindo
estes que se dizem politizados. Aqui, ou todo mundo briga, ou ninguém
briga. Ou todo mundo faz, ou ninguém faz.
É estranho dizer
que os supostamente politizados são tão alienados quanto os
apolíticos, eu sei. Mas analise comigo. Quando se procura fazer uma
grave, é sempre greve geral, seja da classe, seja apenas daquele
núcleo industrial (aqui, entende-se industrial todos os ramos de
trabalho, desde empresarial à educacional, pois, pela nossa lógica
capitalista, tudo é uma grande produção). Estas greves, pensadas e
gestadas pelos “politizados” e para os “politizados”,
comumente coloca em xeque toda sua própria ideologia. Afinal, se eu
tenho o direito de me indignar com minha condição e lutar por uma
situação melhor, também tenho o direito de estar contente com ela,
visto que é possível que ela me conceda toda uma condição de vida
agradável.
Mas,
como bom esquerdista, não posso estar contente com uma situação
agradável, e preciso me rebelar à opressão burguesa por sobre
minha mão de obra, sempre visando maiores direitos e salários, até
que eu chegue a condição de burguesia e mande ao raio que o parta
minha ideologia e meus irmãos de luta. Em momento algum estou
dizendo que o certo é não lutar, ou mesmo aceitar de cabeça baixa
a “opressão”. Estou apenas dizendo que, se eu, na exata mesma
condição (familiar, profissional, financeira e afins) que um colega
de trabalho, acho ruim a situação em que estou, não significa que
ele precisa achar também. Só por que eu quero uma hora a menos de
trabalho e 12% de aumento no salário, não significa que ele também
precise disso pra se sentir satisfeito familiar, profissional ou
financeiramente. E, se eu tentar obrigá-lo a aderir à greve, se eu
tentar oprimi-lo
e
aliená-lo,
ele tem direito de lutar contra mim e de ir trabalhar tranquilamente.
Além
disso, temos um grande problema com greves, no Brasil. Quando ocorre
uma greve, a grande maioria dos grevistas acha que é feriado, final
de semana prolongado, folga por banco de horas ou o que o valha.
Simplesmente esquecem que é um dia normal de trabalho e vão para o
shopping, para o estádio de futebol, para a pista de corrida ou o
que for. Brigam o tempo todo dentro do sindicato contra a burguesia
opressora, e quando conseguem uma greve, correm para os lazeres mais
burgueses possíveis. Não que o proletariado não tenha o direito de
consumir enlouquecidamente roupas, calçados, “cama, mesa e banho”,
filmes norte-americanos e fast
foods,
ou não tenha o direito de pagar caro por um ingresso para ver homens
que trabalham menos e ganham mil vezes mais; só que, em dia de
greve, tem o dever, a obrigação, de estar à frente da sua
industria (retomando a ideia de produção, mesmo nas escolas).
Porque é lá que está a luta, lá que está a burguesia opressora,
lá se deve procurar seus direitos trabalhistas, e não dentro de um
templo capitalista.
Como
demonstrado por dois pontos de vista, os politizados brasileiros são
tão ou mais alienados que os a politizados. De qualquer forma, no
Brasil, todo mundo é corrupto, sem exceção. É forte dizer isso,
mas é a mais pura verdade.
Daí,
tu, meu caro interlocutor, diz para si mesmo “mentira! Eu sou um
exemplo de idoneidade”. Será? Então quer dizer que tu nunca usou
do jeitinho
brasileiro?
Nunca deixou uma nota fiscal para trás, sabendo que isso diminuiria
o imposto a ser pago pelo prestador de serviço? Nunca sonegou algum
imposto, ou facilitou a sonegação de alguém? Nunca furou uma fila?
Nunca convenceu alguém a fazer algo que não queria, e que fez mesmo
não querendo (numa espécie de coação ou chantagem)? Nunca teve um
vício (mesmo que não químico) e levou alguém a esse vício? 'Cê
nunca corrompeu ou foi corrompido por alguém? Nunca se corrompeu?
Sim, corrupção
financeira provém de toda a sorte de corrupção. Posso estar sendo
extremista, é verdade. Mas é como eu penso. Segundo o dicionário
Michaellis, “corrupção” e “corromper” significam,
respectivamente:
sf
(lat
corruptione)
1
Ação
ou efeito de corromper; decomposição, putrefação. 2
Depravação,
desmoralização, devassidão. 3
Sedução.
4
Suborno.
(lat
corrumpere)
vtd
e
vpr
1
Decompor(-se),
estragar(-se), tornar(-se) podre (…) vtd
e
vpr
2
Alterar(-se),
desnaturar(-se), mudar(-se) para mal (...)
vtd e
vpr
3
Depravar(-se),
perverter(-se), viciar(-se) (...)
vtd 4
Induzir
ao mal; seduzir (…) vtd
5
Peitar,
subornar (...)
De qualquer forma,
nos sobram a mídia. Por que eu acredito que a mídia brasileira não
é alienadora? Simples, porque é brasileira. Parece estranho, assim
como tudo o mais neste texto, mas, desta mesma forma, é bastante
lógico. Pode ser que nossa mídia minta frequente e intensamente.
Pode ser que ela demonstre o ponto de vista da elite econômica e
política. Pode ser até que ela desmereça o povo, que é, na
verdade, quem a mantém viva. Mas ainda assim é incapaz de alienar
um brasileiro.
Retomando, pela
quarta vez ao dicionário online Michaellis, que apresenta “alienar”
como:
(lat
alienare)
vtd
e
vint
1
Tornar
alheios determinados bens ou direitos, a título legítimo;
transferir a outrem (...)
vtd e
vpr
2
Alucinar(-se),
perturbar(-se) (...)
vtd 3
Indispor,
malquistar (...)
vtd 4
Afastar,
desviar (...)
vpr 5
Endoidecer,
enlouquecer (...)
vpr 6
Desvirtuar-se
Afastar, desviar,
desvirtuar-se... Observando bem toda a informação que consumimos,
acredito que, visando os termos ressaltados, a mídia internacional
nos aliena. Não são os jornais, os canais de tevê ou as estações
de rádio brasileiros que nos afastam da nossa nação. Mas toda
informação que vem de fora.
Talvez eu soe como
um nacionalista, e daqui pra frente haja muito ufanismo. Ou talvez
não. O maior problema do brasileiro não é dizer “esse país não
tem mais jeito”, mas dizer isso acompanhado de “lá fora não é
assim”, ou “lá fora é muito melhor”. Isso deixa claro a
lavagem cerebral que sofremos constantemente através da mídia
internacional. Todos os problemas norte-americanos somem dos filmes
hollywoodianos. A ponto de que nos apaixonamos pelo pior serial
killer como se ele fosse uma espécie de herói digno de honra.
Não que ser
apaixonado pelos vilões seja um problema. Eu teria uma noite de amor
com Gretchen Lowell e jantaria com Hannibal Lecter. O problema é
quando essas informações nos fazem perder o senso de realidade, nos
tornando alheios a determinados direitos.
A questão é que
reclamamos incontavelmente das novelas brasileiras. “Elas alienam o
povo”, é a desculpa. Mas não perdemos um episódio de
F.R.I.E.N.D.S pelas mais de 9 temporadas, e ainda assistimos as
reprises. Aí vem todas as alegações justificando que as novelas
não prestam. O que as pessoas não se dão conta é que ali está
exposta a nossa cultura, mesmo que seja uma visão paulista-carioca
dessa cultura. Volta e meia surge uma novela que representam outras
regiões do país; e de qualquer forma, há atores de todo o Brasil
lá.
Mas elas são ruins,
alienadoras, um câncer na cultura. E House é sem dúvida uma
benesse. A forma com que se está retratado ali uma cultura que não
é a nossa, com piadas que são forçadas ao máximo para fazerem
sentido em nossa língua, e referências das quais somos incapazes de
entender à não ser que vivamos virtualmente nos Estados Unidos. Não
estou dizendo que a série é ruim. Estou dizendo que ela condiz com
uma realidade que não é a nossa (e talvez não seja nem a deles). E
isso é problemático, pois faz pensar que todo o sistema de saúde
norte-americano foi extraído de Grey's Anatomy. Provocando, claro,
os bons e velhos comentários: “os médicos podiam ser assim no
Brasil também”, “isso, aqui no SUS, não acontece” etc, etc,
etc.
A
mídia brasileira, em peso, traz aquilo que o povo quer ver. Se tu
tens reclamações e não assiste, não é um consumidor. Logo, não
tem porque eles produzirem algo para que tu consumas. Tu não é um
público-alvo. Na verdade, até é, só não tem capacidade de sair
da Universal Channel (que é afiliada da Rede Globo, visto os
anúncios da Globo News) para assistir um bom programa, brasileiro e
“aberto”.
O
engraçado é ver os pseudopolitizados com todo seu infinito discurso
anti-imperialismo ouvindo de tudo, exceto samba, pagode e Chico
Buarque. Acham um jeito de ouvir rock, um típico produto
imperialista, mesmo em sua versão mais contracultura, o punk. Antes
um Green Day que uma Plebe Rude. Antes um Beatles que um Noel Rosa.
Afinal, temos que nos politizar e lutar contra a opressão... ao
passo que toda a cultura brasileira é um lixo.
Logo,
depois de muitos caracteres, eu apresento minha opinião: a mídia
brasileira não nos aliena, mas nós buscamos meios de nos
auto-alienar. Seja esta alienação própria a partir do desinteresse
sobre “nós”, como nação, seja a partir do interesse pelos
“outros”.
Gostei muito do texto, só penso que além de nos auto-alienarmos, a mídia também faz a sua parte.
ResponderExcluirPARABÉNS. :D
Eu não consigo perceber a mídia brasileira como manipuladora de mentes, mas como manipuladora de opiniões. Ou seja, é possível que a mídia nos faça acreditar que os protestos eram compostos por vândalos; mas duvido que seja possível que nos façam acreditar que não temos direitos. Não é a mídia que nos esconde as coisas, mas nosso desinteresse em saber como elas funcionam.
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