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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Esquizofrenia - Capítulo 1 - Parte 3

Toda a existência se afundava na escuridão, seus passos incessantes ecoavam por toda a treva, e mesmo assim tudo era silêncio e frio. Um rangido curto, quase um estalo, rasgou aquela inexistência. Um clique baixo foi acompanhado pelo nascimento de luz por todos os lados. E o som dos passos voltaram, agora apressados.
Jonathan abriu os olhos com dificuldade, piscando contra a luz. Havia um borrão sobre sua cabeça que demorou um pouco para se revelar como uma mulher de cabelos castanhos e vestida de branco. Estava novamente deitado, as costas contra o piso frio e duro.
- Meu Deus, Johnny! O que tu faz aí? - disse a enfermeira, tentando levanta-lo.
O rapaz estava zonzo e confuso, seu corpo parecia ter perdido todos os ossos, mas mesmo assim ele se ajudou a levantar como pôde. Olhava para todos os lados, espantado com a brancura da sala. Sua mente aos poucos ia remontando os últimos acontecimentos.
De repente se firmou nas próprias pernas, e, livrando-se do apoio da enfermeira, se virou para trás, olhando em direção à parede que deveria sustentar uma porta dupla escancarada esperando ser cruzada por uma criatura inimaginável. Incrédulo, revistou toda a parede com os olhos, encontrando apenas um espelho de corpo inteiro. Chegou a dar alguns passos na direção da parede, querendo toca-la, revista-la com as mãos.
- Calma, Johnny - disse a enfermeira -, foi só um pesadelo, mais nada.
Sua voz era tão suave e doce, e seu tom era tão meigo e confiante no que dizia, que Jonathan se deixou apoiar-se pela mulher e ser guiado para a maca.
- Trouxe isso pra ti - falou, tirando de uma espécie de bolsa de pano um embrulho em um saco de papel - É de frango, que eu sei que tu gosta.
Abrindo o pacote, Johnny encontrou um grande sanduíche natural. O cheiro lhe tocou as narinas e invadiu com fúria seus pulmões, fazendo seu estômago roncar alto e desesperado. Sua mente interpretou aquele perfume, e ele forçou-se a tentar encontrar qualquer lembrança que indicasse porque aquele cheiro era familiar.
Não resistindo à tentação, caiu de boca no sanduíche. Mas mesmo com seus sentidos todos trabalhando em cima do alimento, não conseguiu encontrar nada. Só depois de ter engolido a segunda dentada, já mastigando a terceira, é que sentiu necessidade de perguntar quem era a enfermeira, mas não conseguiu proferir a pergunta completamente. Ela riu.
- Tudo bem, tu não lembra, acontece. Mas eu juro que em breve isso nunca mais vai acontecer. Agora come rápido e vai dormir. Eu tenho que ir - e, ao dizer isso, saiu do quarto apagando a lâmpada.
A iluminação vinda pela janela era calma, leve e suficiente, e Jonathan estava cansado demais para descordar e faminto demais para complicar a situação. Não estava sujo nem com frio, e mesmo não se lembrando de nada de antes do pesadelo, sentia-se seguro. É, tinha certeza de que fora tudo um simples sonho ruim. A enfermeira deveria estar certa, deve ser normal esse leve esquecimento, e logo, logo ele se lembraria de tudo. Tudo ficaria bem.
E pensando assim, com a fome saciada, seu corpo escorregou pela maca até ficar deitado, enquanto sua mente escorregou pela consciência até mergulhar nas águas escuras e calmas de um sono sem sonhos.
Não tinha como saber quanto tempo dormira até ser acordado por um estrondo. A lâmpada acendeu de repente, obrigando-o a apertar os olhos antes mesmo de abri-los. Um "urenc-urenc" se aproximou, e ele pode sentir a movimentação de uma duas pessoas.
Johnny ainda piscava os olhos quando viu um homem alto, de pele negra, entre a maca e a janela. Uma mulher de cabelos loiros do outro lado da maca perguntou ao homem se o rapaz estava acordado, obtendo um leve aceno de cabeça como resposta afirmativa.
Ela se virou para a maca e se curvou, segurando um objeto prateado nas mãos enluvadas. Jonathan se remexeu assustado, ainda sonolento e com os olhos doloridos. O homem, vestido com um uniforme azul escuro, repousou sua mão grande e pesada contra o peito do rapaz e, pedindo para que se acalmasse, empurrou-o de volta à posição deitada.
A enfermeira loira puxou uma das pálpebras de Johnny para baixo, e, acendendo o objeto, apontou-o para o olho desprotegido. Procedeu igual com o outro olho, e balançou a cabeça em uma negativa, o rosto contorcendo-se em uma espécie de pesar.
- Anemia - disse, desligando a pequena lanterna - O tratamento continuará o mesmo, Seu Jonathan Blake - e bateu de leve três vezes no ombro do paciente.
- Que trat-tamento? - Jonathan tentou perguntar, a boca de repente seca e um tanto dormente.
A enfermeira apenas balançou a cabeça em negativa, o indicador nos lábios pedindo silêncio. O segurança colocava peso sobre o peito de Johnny, impedindo que ele se levantasse. Um enfermeiro se aproximou pelos pés da maca carregando duas peças de roupa dobradas.
O segundo homem trocou de lugar com a enfermeira e começou a vestir o paciente. Jonathan ajudava como o peso da mão do segurança permitia, e logo estava com uma calça social caqui, uma camisa branca e sapatos marrons. Quando o enfermeiro foi lhe pentear, a mulher reapareceu, dizendo que ele poderia fazer aquilo depois. Johnny foi capaz de ouvi-la sussurrar "venha tomar seu remedinho" enquanto preparava uma seringa com um estranho líquido vermelho.
Ela pegou o braço do paciente, ergueu o acesso intravenoso e liberou-o. Assim que preparou para injetar o líquido rubro por ali, a mão que empurrava o peito de Jonathan para baixo se levantou como uma cobra em um bote certeiro. Em um movimento rápido, o segurança segurou e torceu o pulso da enfermeira.
A mulher olhou-o com raiva e confusão, trocando a seringa de mão. No que Johnny sentiu a agulha fria perfurando sua pele, o segurança torceu com mais força o braço da enfermeira. Um estalar alto seguiu-se de um grito agudo de dor.
- Rápido, Jonathan! - gritou o segurança, mas o paciente já havia se arrastado para os pés da maca e se levantava.
O enfermeiro, só agora percebendo o que acontecia, se aproximou correndo da maca. Seus olhos avermelhavam de raiva, focados no embolo levantado. Por instinto, Johnny arrancou a seringa e jogou-a contra o homem, aproveitando o momento de distração para dar com as duas solas dos sapatos em seu abdômen.
- Vai! Agora! - gritou o segurança.
Jonathan não pensava, simplesmente agia. Desde o momento que vira a enfermeira, sabia que não podia confiar nela; e assim que o segurança reagiu contra ela, Johnny considerou-o como aliado. Algo lhe dizia que era melhor assim, que era o certo assim.
Atravessava o quarto correndo, mas a porta parecia não se aproximar. Quanto mais ele corria, mais a parede à sua frente parecia se distanciar, se afastando dois ou três passos a cada passo que ele dava. O segurança gritava, mas Johnny não podia entender; ele corria e se distanciava da maca, mas também se distanciava da porta. Tudo à sua frente se esticava mais e mais para frente, e tudo atrás se esticava mais e mais para trás, até que ele parecia estar em um corredor limitadamente largo, mas infinitamente comprido.
Então ouviu outro estalo alto e aquela distância absurda se rompeu. Ele foi capaz de correr e se aproximar da porta. Chegou a sentir seus dedos tocarem a maçaneta quando algo lhe envolveu o tornozelo do pé de apoio e puxou com firmeza para trás. Não foi um puxão forte, mas Jonathan estava fraco, debilitado, e o puxão firme foi o suficiente para fazer seu pé se arrastar para trás o necessário para que perde-se o equilíbrio. Seu corpo pendeu para frente e sua cabeça bateu contra a porta em um som oco e úmido.
O mundo turvou, girou e tornou a escurecer.

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